3 de jan. de 2009

Do dia em que ela ficou muda


Inspirada numa laringite estridulosa aguda

Falar e falar. Amar o som da própria voz, impressionar-se com suas frases de impacto e deliciar-se com a forma com que seus pensamentos oralizados repercutem no interlocutor, sempre a fizeram se sentir bem, viva...
Se alguma situação não se desenvolvia a seu favor, ela abria a boca e deixava as palavras jorrarem. Por vezes, pensava que aquelas palavras não eram suas...
Acreditava que eram fruto da memória de algo lido ou ouvido, mas, elas jorravam em tão grande quantidade que seria humanamente impossível que as tivesse lido ou ouvido todas e, então, se convenceu...
As palavras eram suas. Suas crias, influenciadas pelas palavras proferidas por outrem em determinado momento, mas ali, por ela declaradas, naquela ordem, eram suas, só suas...
Ela é que as doava e então, já não mais lhe pertenciam. Eram de outrem.
Pois bem, seu dom oratório a fez descobrir seu lugar no mundo. A fez reconhecer o princípio vital inteligente por trás da pele, gordura, carnes, órgãos... ela era, definitivamente, boa com as palavras e as palavras eram boas para ela...
Mas então, aconteceu.
Sua laringe tornou-se um corpo estranho dentro dela.
Sem aviso ou preparação, sua voz teve que se calar. A expressão sonora era tão dolorida que nem todo seu ego conseguiu superar a dor de proferir as amadas palavras. Teve que se calar.
Muda, passou a ouvir os sons do mundo, as palavras alheias, o chato, enfadonho e ininterrupto canto dos pássaros, e revoltou-se.

Por que os pássaros não se calavam? Por que ela tinha que se calar?
A língua passarinha é incompreensível e ela tinha tanto a dizer...
Depois da revolta, a consciência e reflexão.
Resultantes dessa experiência, novas palavras e idéias foram criadas dentro dela e começou a sentir-se sufocada. A dor de guardar tantas palavras tornava-se tão insuportável quanto a dor de proferi-las.


Nesse momento, começou a escrever.

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