3 de jan. de 2009

Confissão

Inspirada num confronto diante do espelho

Esse dia foi estranho. Passou por ele como se passa por um jardim florido com o nariz entupido, sem aspirá-lo.
Essa constatação doeu-lhe. Já não tinha tempo para desperdiçar seus dias, mas desperdiçou este e, com a chegada da noite, vislumbrou a lua e, subitamente, teve uma revelação. Sempre se julgou amiga do sol, pessoa do dia, mas a fatídica verdade é que a lua, mais do que a própria noite, a inspirava como o sol jamais inspiraria.
Veia romântica? Talvez...
Essa foi mais uma descoberta que a afligiu.
O romantismo é um verme que corrói o cérebro. E a lua é um verme que corrói o estômago. Ah sim, suas emoções e inspirações são fruto do estômago e não do coração.
Uma ausência? Dor no estômago.
Uma chegada? Frio no estômago.
A lua? Embrulho no estômago.
Aliás, a temática lua a lembrou de um caso que não aconteceu, mas poderia ter acontecido duas noites atrás...
A lua estava linda. Mágica. Uma lua que dava coisas...
Há tempos não via o céu tão deslumbrante. Era um outro céu, mas ela se sentia em casa sob ele.
E essa lua, essa noite, poderia ter sido compartilhada com a única criatura que já leu seu lado de dentro e ela, fraca, não foi capaz de compartilhá-la.
Uma vez, essa criatura do outro lado do espelho a repreendeu, após um dos seus vários discursos de verdades hipotéticas, com a frase:
- Na verdade, você não é assim, não pensa assim. Só finge. Usa uma couraça para se proteger e não deixar ninguém chegar perto.
E a criatura sorriu ao vê-la empalidecer, pois ela sabia que essa era a sua verdade, mas não esperava que outrem também soubesse.
Desde esse dia, amou a criatura em silêncio. Um amor profundo, sincero, que nunca esperou ser amado de volta, mas, na iminência de sê-lo, desesperou-se e vestiu outra couraça em cima da couraça e fez de si mesma uma criatura tão blindada, que nem o poder da lua foi capaz de transpassá-lo.
Seus olhos, única parte sem revestimento, procuravam a lua insistentemente, mas a porta foi fechada, impedindo a vista da lua e os olhos, cansados, também se fecharam.
Teve frio. Teve medo. Trancada, sozinha dentro de si, sem ser capaz de compartilhar o que lhe consumia e agora, quando a lua desponta novamente no céu é que tem a consciência que seu dia de hoje, como seu dia de ontem, não foram vividos, não foram aspirados, por praga da lua, que a queria como amante, mas lhe faltou coragem para amá-la. Nem que fosse só mais uma vez.

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