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1 de jun. de 2010

Flores de Plástico

Inspirada numa dedicatória

Pois é. Nem tudo são flores no reino da Dinamarca.
Uso desse velho ditado para me reportar às pequenas intempéreis do dia-a-dia, às gasturas, às rusgas que surgem dos relacionamentos interpessoais, sejam eles fraternos ou amorosos.
Há algum tempo ganhei de uma velha amiga um pequeno livro de pensamentos, mas nunca havia dedicado atenção a ele até esta tarde.
Tarde fria, monótona e como diz outro velho ditado, "mente ociosa é oficina do diabo", a minha mente divagou, não pelos caminhos por onde sempre divaga, mas por um terreno pedregoso e perigoso, tal qual o que a mente de Dom Quixote divagava e, assim como ele, transformei, por algumas horas, moinhos em gigantes inimigos, amigos em rivais, pessoas amadas em conspiradores.
Por sorte, mas não acaso, o pequeno livro, literalmente, caiu no meu colo do alto da prateleira e, apesar de a primeira reação ter sido a de atirá-lo longe, vislumbrei algo escrito na contracapa e reli a dedicatória que a querida amiga me fizera.
"Assim que vi o título deste livro, logo pensei em você. Não porque quero que você aprenda algo novo, não, não é isso! Quero que você resgate tudo isso que já existe aí dentro, original de fábrica! O meu objetivo é apoiá-la a ser quem sempre foi: esse ser extraordinário e fora do comum e dizer que é assim que amamos você!"
Desnecessário dizer que lágrimas banharam meu rosto e que meus pesamentos nada edificantes se esvaneceram.
Senti-me patética.
Avidamente devorei alguns capítulos do livro e encontrei até mesmo as soluções para os infundados pensamentos que haviam me assolado momentos antes.
Me dei conta de que, mesmo que alguns dos meus delírios viessem a tomar forma, todos seriam facilmente resolvidos. Bastava eu querer.
Mas, mais do que isso, percebi que, se eu temo tanto as situações que a minha mente demente projetou, depende de mim, e exclusivamente de mim, tomar as atitudes preventivas para que os moinhos de vento não se transformem em inimigos gigantes!
Além disso, as flores de plástico não são tão ruins pois, podem não ter cheiro, mas também nunca morrem.

24 de jul. de 2009

O Portador

Inspirada numa alergia
Créditos em homenagem ao meu querido Elígio.


- Estou mal. Não aguento mais tossir.

- Mas você está com febre?

- Não. Só tosse seca.

- Menos mal, porque se estivesse com febre, poderia ser gripe suína.

- Não é não. Nem tenho sintomas de gripe, é a maldita alergia mesmo. A não ser que o vírus mutou e eu sou o primeiro portador da doença que dizimará a humanidade. Nossa, dá até filme hein. Já Pensou? "O portador". Filmão. Depp faria meu personagem, porque temos o mesmo tipo físico e você sempre diz que meu nariz é igualzinho o dele. O roteiro está vindo na minha cabeça agora. Vai anotando o que vou te falando, que você escreve mais rápido. Vou regular o som do Skype para ir ditando para você. Ficou bom. Vamos lá. Está pronta? Estou vendo todas as cenas, movimentação de câmeras, o cheiro do set durante as filmagens. Farei algo de trás pra frente. Já começa com a terra devastada e uma voz ou um escrito, estilo Star Wars, vai contando o que aconteceu. Surge Depp na tela. Lindo. Saudável. Aventureiro. Talvez em trajes de Indiana Jones. Talvez. Sublinha isso. Talvez. Ele espirra. E começa a andar. Rua movimentada. Cheia de gente. Acho que ele não estará vestido de Indiana não. Enfim. Ele tosse. Gotículas saem de sua boca. A câmera registra bem isso. Câmera lenta ficará perfeito. Ele está contaminado. E todos que estão ali também estão sendo contaminados. É assim que começam as epidemias, não é mesmo? Mas onde ele pegou esse vírus? Pensa. Me dá uma sugestão? Que tal num show do Iggy Pop? Seria o máximo. O filme terá trilha sonora do Iggy. Está decidido. Espera que a campainha está tocando.

...

- O que você está fazendo aqui, amada? Estou falando com você pelo skype. É uma imagem holográfica? Como tocou a campainha?

- Bee, você está delirando, venha cá. Meu Deus, está queimando em febre. Vista as calças, vou te levar pro hospital.

26 de jun. de 2009

A Executiva

Inspirada numa dicotomia

De todas as amigas, a executiva foi a que alcançou o maior sucesso profissional e financeiro.

Estudiosa, competitiva, obstinada, responsável, galgou por mérito sua posição de destaque em uma renomada empresa.

Profissionalmente, viajou pelos 4 continentes.

Profissionalmente, conheceu ministros.

Profissionalmente, rebelou-se.

A Executiva também é bem sucedida no seu lado pessoal.

Pessoalmente, viajou pelo país inteiro.

Pessoalmente, foi campeã de judô.

Pessoalmente, subiu ao altar.

A Executiva e a Escritora são amigas desde o ensino fundamental e, de tão diferentes no pensar, ser e agir, são amigas-irmãs, que completam-se, principalmente, porque discordam de quase tudo, mas respeitam - embora não concordem - a lógica do ser, pensar e agir de cada uma.

Quando a Executiva se casou, embora fosse setembro, estava muito frio. Seu vestido tomara-que-caia era lindo, mas não a aquecia. No carro, antes de entrar na Igreja, sobre o vestido ela, como boa esportista que era, trajava um agasalho na Nike!

Geralmente, as amigas se encontravam toda quarta-feira em um bar da cidade, o qual chamavam de quartel-general e era comum receberem um torpedo da Executiva com os dizeres:

- Meu avião chega às 19h em Viracopos e vou direto pro bar. Me esperem. Estou com saudades.

E assim era.

Mas a Executiva rebelou-se. Decidiu que nem mesmo seu alto salário era suficiente para que compactuasse com determinadas coisas e, sem pensar duas vezes, desligou-se da empresa.

Como era competente, em pouco tempo, já trabalhava em outro local, no qual descobriu que consciência tranquila é o melhor dos pagamentos.

Essas histórias exemplificam a dicotomia que faz da Executiva o ser completo que é.

13 de jun. de 2009

A Escritora

Inspirada numa contradição

Ao contrário do que se possa imaginar, a escritora não é calma, silenciosa, tímida, introspectiva, observadora e reservada.

De todas as amigas é a mais desbocada, gritona, desinibida, extravagante e excêntrica.

Sempre teve grandes ideais sociais, paixão por livros, cultura, política, cinema e música, além de um inexplicável ímã para os homens errados.

Aliás, suas histórias de amores mal-resolvidos são as melhores, as mais engraçadas, inacreditáveis e sempre rendem gargalhadas no fim das reuniões.

Sempre sorrindo, não tem papas na língua e, para desespero das amigas, tem uma opinão desbocada, na ponta da língua, sobre tudo que considere excessivo.

Certa vez, as amigas estavam em um bar, ligeiramente alcoolizadas, mas comportadamente sentadas ao redor de uma mesa na calçada, conversando e rindo, até que um rapaz estacionou o carro bem próximo da mesa delas, desceu, abriu o porta-malas e ligou o som.

No último.

Música sertaneja.

Todas fizeram careta, inclusive a vendedora que é a única, reconhecidamente, fã desse tipo de música, mas a escritora não se limitou à careta.

Elevando seu tom de voz acima da música, declarou:

- A super potência do som do seu carro deve ser para compensar a falta de potência do seu pinto.


Todos no bar riram e o rapaz, mais do que depressa, desligou o som do carro, bateu a porta do porta malas e dirigiu-se ferozmente em direção à mesa das amigas e a escritora, brava, valente e inconsequente, colocou-se em pé, derrubando a cadeira em que estava sentada e estufando o peito, apesar de seus pequenos seios, para confrontá-lo.

As amigas, de pronto, apressaram-se em arrastá-la pelos braços e tirá-la dali, pois sabiam que ela iria ridicularizá-lo ainda mais e, se ele partisse para agressão física (o que era bem possível), ela armaria um escândalo e sobraria socos e pontapés até para elas.

Assim é a escritora: instável e imprudente.

Mas, talvez pelo fato de ser a mais velha (44 dias mais velha) ou por ser a única delas que conhece a profunda dor da maior das perdas, ela é a fortaleza do grupo. O elo que as conserva juntas. A que não convida, convoca. A que, de uma forma ou de outra está sempre em contato com todas e as mantém em contato.

Ela deveria ser a última descrita, mas, como é a mais caricata de todas, talvez a descrição das demais beire a normalidade agora.

5 de jun. de 2009

Jovens Mulheres Maduras

Inspirada numa comunidade

Era uma vez, 7 amigas - a Executiva, a Farmacêutica, a Jornalista, a Maternal, a Financista, a Vendedora e a Escritora -, que se conheciam há muito tempo – desde a época em que debutaram e iam de calça bailarina para a escola, para o shopping e para a balada, colavam papel de bala na agenda e achavam o máximo da rebeldia dividir em 7 uma dose de menta e uma latinha de cerveja – e que, mesmo depois de passarem a barreira dos 30 anos, continuavam amigas na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, nem sempre se respeitando, às vezes criticando, outras amparando, mas sempre se amando incondicionalmente.

Numa tarde chuvosa, daquelas em que tudo dá errado, a Escritora, tentando espantar o baixo astral, navegava na Internet, procurando nas comunidades do Orkut algum texto interessante para parafrasear e deparou-se com o título “Jovens Mulheres Maduras”. Foi o suficiente para que tivesse uma epifania e começasse a escrever sobre as meninas.

E a Escritora riu ao relembrar as histórias de brigas, brincadeiras, choros, risos, romances, fofocas, nascimentos e mortes, desse inusitado grupo, de estilos, estado civil, gosto musical e áreas de interesse diferentes, unido, apenas, pela inabalável amizade e, então, constatou que o único ponto em comum entre todas é o fato de que falam demais.

Quando se reúnem, a cacofonia é certa. Todas falam alto, gargalham, se interrompem, falam por cima, falam juntas, falam coisas repetidas, falam e falam e falam.

São tantas as histórias e é tanto o carinho por elas, que serão necessários vários posts, contando as histórias (não todas, porque algumas são proibidas para menores de 18 anos) de cada uma dessas mulheres, jovens mulheres, maduras mulheres, amigas mulheres, felizes mulheres.

1 de fev. de 2009

Partida de Truco

Inspirada num reencontro


Ele era cabeludo, rebelde, sarrista, convencido, truqueiro e um ano mais velho que ela.
Ela era muito magra, alta, tímida, estudiosa e ficava sempre por perto dele.
Ele era o líder que escalava as duplas para as disputadíssimas partidas de truco e ela era a que sempre só assistia.
Certo dia, faltava um jogador e ele a escalou para ser sua parceira.
Seu estômago embrulhou, a vista escureceu e, antes que percebesse, refutava o convite:
- Não sei jogar truco.
Com ar zombeteiro ele disse alguns palavrões e afirmou que era impossível ela sempre ficar vendo-o jogar sem ter aprendido nada e se propôs a ensiná-la. Seu sorriso era tão lindo que ela não pôde recusar.
Ele desenhou os naipes do baralho e a seqüência das cartas num guardanapo de papel e sentou a seu lado para combinar os sinais que trocariam durante o jogo.
O perfume dele a deixava atordoada, mas ela se esforçava para prestar atenção a cada gesto e expressão facial dele, bebendo suas palavras como um sedento bebe água após longo tempo ao sol.
Com um pouco de remorso, ela lembrou do pai que a ensinara, desde pequena, todos os macetes do jogo e pensou, com culpa, em todos os troféus de torneio de truco empilhados no guarda-roupa, mas o vento trouxe novamente o cheiro dele às suas narinas e ela decidiu seguir em frente com a mentirinha.
Após cinco rápidas partidas em que massacraram os adversários, ele anunciou que a sorte da principiante seria colocada à prova novamente no dia seguinte e que ele estava desafiando todas as duplas para um campeonato contra eles. Ela consentiu.
Após o sorvete de comemoração, ao se despedirem, ele sussurrou em seu ouvido:
- Parceira, espero que nossa sorte no namoro dure tanto quanto sua sorte no jogo.
A sorte no namoro deles foi muito boa... enquanto durou.

21 de jan. de 2009

Fim de caso

Inspirada num relato

Foi numa noite enluarada que houve a conversa.
Tornaram-se melhores amigos.
No estudo.
Na confissão.
No humor.
Na virtude.
No defeito.
Na ideologia.
No conselho
Na viagem.
No carro.
Na cama.
No bar.
Foi numa noite enluarada que houve a vontade.
Tornaram-se discretos amantes.
No estudo.
Na virtude.
No defeito.
Na cama.
No bar.
Foi numa noite enluarada que houve o mal entendido.
Tornaram-se simples colegas.
No estudo.
No bar.
Foi numa noite enluarada que houve a formatura.
Tornaram-se remotas lembranças.
No bar.

7 de jan. de 2009

Beijo mordido

Inspirada numa distância

Um amigo em comum os apresentou. No bar.
Eram filósofos de boteco.
Alguém levantou um tema polêmico na mesa e, em breve acontecia o primeiro debate filosófico entre eles.
Por mais divergentes que fossem suas opiniões, reconheceram que ali estava um adversário à altura. Surgiu o respeito mútuo.
Ele, o mais novo da mesa, era um velho conhecedor das coisas do mundo. Pensava como pensaria uma mulher, se fosse homem.
Ela, única mulher da mesa com voz ativa, era literata e feminista. Pensava como pensaria um homem, se fosse mulher.
Empatia.
Pouco tempo depois já não precisavam de intermediários, nem de platéia, para sentirem-se confortáveis durante seus debates.
Debatiam sobre seus escritos, lugares, amor, religião, sexo, drogas e rock’n roll. Debatiam sobre praticamente tudo, exceto futebol.
Ele era avesso à bola.
Ela era fanática.
Ele achava engraçado como ela ficava rememorando as conversas e criando novas teorias e argumentos.
Ela achava engraçado como ele tinha memória curta, de galinha velha, satisfazendo-se com uma só versão para as coisas.
Às vezes ele sumia.
Outras, ela sumia.
Tinham suas vidas paralelas.
Ele era poeta.
Ela era contista.
Apesar de suas diferenças, havia amizade entre eles. E havia o beijo com uma mordida no meio.
Gostavam dos beijos mordidos tanto quanto gostavam dos debates.
Gostavam de suas diferenças.
Gostavam de poder continuar com suas vidas paralelas.
Ele foi embora para divulgar suas poesias pelo mundo real.
Ela ficou para divulgar seus contos no mundo virtual.

6 de jan. de 2009

Carro vermelho

Inspirada num pedido

O carro era novo. Vermelho. A felicidade estava estampada no rosto dele. Lembrou-se da amiga infeliz. Queria dividir sua felicidade para vê-la voltar a sorrir.

- Bora dar rolê – ele pulava.

- Pra onde? – a amiga perguntava.

- Pra onde o carro vermelho nos levar – ele delirava.

Riram.

Pegaram uma vicinal. Música alta. Ele estava extasiado. A amiga continuava sorumbática.

- Se alegra por mim. Meu primeiro carro – ele implorava.

- É muito legal. Você fica até bonito dentro dele - a amiga se esforçava.

- Não exagera - ele contestava.

Riram.

- To sentindo que agora minha vida vai mudar. Tenho um carro. Sabe a importância disso na vida de um solteiro? – ele fantasiava.

- Imagino. Mas, se você soltar o volante de novo para acariciar o painel, essa vida de solteiro importante pode ser mais curta – a amiga profetizava.

- Foi mal - ele se desculpava.

Riram.

- Essa estrada tá linda. Nem precisa de farol. A lua ilumina tudo – ele suspirava.

- Apaga o farol. E abaixa o volume. Detesto som alto dentro de carro – a amiga manipulava.

- Você é uma velha, mas é louca – ele sentenciava.

Riram.

- Só mais um pouco. To chegando a 150 – ele pisava.

- Olha o volante – a amiga frisava.

- É verdade - ele se lembrava.

Riram.

- Que emoção. 170 – ele acelerava.

- Você é um moleque louco – a amiga exaltava.

- Louco, mas feliz - ele cantava.

Gargalharam.

- 180. Puta que o pariu – ele se excitava.

- Segura a porra do volante – a amiga alertava.

- Esqueci - ele agora segurava.

Um animal atravessou a pista enluarada.

Silêncio – o carro vermelho capotava.

5 de jan. de 2009

Diálogo

Inspirada num sintoma de saudade

- Por que você tá assim comigo?
- Porque você me beliscou.
- Mas isso foi de manhã.
- Mas ainda tá doendo.
- Eu só queria tocar em você por mais tempo.
- Não precisava beliscar.
- Desculpa.
- Tá bom.
- Pra que serve a bananeira no meio de cafezal?
- Pra quebrar o vento.
- Por que?
- Porque o vento adoece o café.
- Seus olhos verdes estão tão bonitos hoje.
- Sossega.
- Grosso.
- Não sou grosso.
- É sim.
- Não sou, não senhora.
- Olha como a lua tá linda.
- Tá mesmo.
- Vamos parar pra ver?
- Aqui é perigoso.
- Você tá me evitando.
- Por que te evitaria?
- Por causa do que aconteceu.
- Impressão sua.
- Não é não.
- Você tá com a macaca hoje.
- E você com vergonha.
- Do que?
- De ter me beijado.
- Foi você que me beijou.
- Que seja. Nós nos beijamos.
- Não to com vergonha.
- Mas tá arrependido.
- Não to.
- Então olha pra mim.
- Não dá. To dirigindo.
- Mas você tem certeza?
- Do que?
- Que não tá arrependido?
- Tenho.
- Que bom, porque também não to.
- Fico contente.
- Eu gosto de você.
- Também gosto de você.
- Você é meu melhor amigo.
- Você também é minha melhor amiga.
- Mas você tem vergonha de mim.
- Você tá ficando louca. Tá muito chata hoje.
- Preciso, desesperadamente, de um chocolate.

Ele suspirou aliviado. Em poucos dias sua melhor amiga voltaria ao normal. Ela só estava de T.P.M.

4 de jan. de 2009

Bicho

Inspirada num bicho pintado na Bandeira do Manuel


Ela e o amigo saíram do cinema. Excelente filme. Valeu cada centavo pago. Papeavam descontraidamente.

A temperatura havia caído bastante. Era quase meia noite.

Por causa do horário, tiveram que circundar toda a extensão do shopping para chegar onde estava o carro.

Na imundície da rua notaram que tinha chovido.

O amigo o viu primeiro e o apontou.

Ela ergueu os olhos.

Lá estava ele, o Bicho, catando comida entre os detritos.

Silêncio.

Primeiro a vontade de sair correndo. Depois, ela quis chegar mais perto. O amigo a deteve. Era perigoso e nojento. O amigo estava com ânsia.

O Bicho, quando encontrava alguma coisa no lixo, não examinava nem cheirava. Engolia com voracidade.

Ela ficou estancada, olhando.

O Bicho não era um cão, não era um gato, nem mesmo um rato.

Ela chorou.

O Bicho, sozinho e humilhado, meu Deus, era um homem.

Tomando-a pela mão o amigo a levou ao carro e foram embora.

Padrinho mágico

Inspirada num maníaco de olho verde


- Vou pra Curitiba amanhã, de férias. Quer que te traga alguma coisa?

Seus olhos brilharam. Ela nem pestanejou.

- Um autógrafo do vampiro de Curitiba.

Ele sabia do que ela falava. Riu.

- Vou tentar.

Ela sabia que ele tentaria, mas também sabia que seria quase impossível. O vampiro era recluso. Não dava autógrafos. Não concedia entrevistas.

Ele foi. Percorreu a cidade inteira até encontrar o vampiro. Tinha um livro nas mãos. Contou a história da amiga ao vampiro. Ele autografou o livro com uma dedicatória.

Missão cumprida. Ele voltou.

Ela o recebeu com a alegria de sempre. Ele tinha um livro nas mãos. Abriu o livro e mostrou-lhe a folha de rosto. Ela vibrou.

- Você é meu padrinho mágico. Obrigada.

Tomou o livro e olhou a capa. O maníaco do olho verde.

Começou a chorar sentido e, entre lágrimas, indagou:

- O que faremos hoje? Preciso te contar como me apaixonei por um maníaco de olho verde.

Ele a fitou. Viu que a amiga falava sério.

- Vamos tomar um saquê e você me conta essa história.