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18 de mai. de 2011

Dar-te-ei

Inspirada num presente


Era véspera de Natal.
O casal apaixonado, economizando para concretizar o sonho da casa própria, combinou que naquele ano não trocaria presentes.
Ela, para prestigiá-lo, recitou o "Cântico dos Cânticos" e caprichou no sexo oral.
Ele, para recompensá-la, massageou-lhe o corpo todo e fez-lhe uma serenata com esta bela canção:

Dar-te-ei - Marcelo Jeneci 

Não te darei flores, não te darei, elas murcham, elas morrem
Não te darei presentes, não te darei, pois envelhecem e se desbotam
Não te darei bombons, não te darei, eles acabam, eles derretem
Não te darei festas, não te darei, elas terminam, elas choram, elas se vão
Dar-te-ei finalmente os beijos meus
Deixarei que esses lábios sejam meus, sejam teus.
Esses embalam... esses secam... mas esses ficam.
Não te darei bichinhos, não te darei, pois eles querem, eles comem
Não te darei papéis, não te darei, esses rasgam, esses borram
Não te darei discos, não, eles repetem, eles arranham
Não te darei casacos, não te darei, nem essas coisas que te resguardam e que se vão
Dar-te-ei a mim mesmo agora
E serei mais que alguém que vai correndo pro fim
Esse morre... envelhece... acaba e chora... ama e quer... desespera... esse vai... mas esse volta

Essa singela história é apenas para lembrar-nos de como podemos ser felizes com pouco.

17 de mai. de 2011

Blues

Inspirada numa encruzilhada


Cresceu numa casa defronte à uma encruzilhada.
Tias velhas vinham visitar a família e sempre se benziam antes de entrar na casa.
Curiosa como era, perguntava por que faziam aquilo e simplesmente diziam que era por causa da encruzilhada.
Ela ria, mesmo sem entender.
Certo dia, o neto de uma das tias, alguns anos mais velho do que ela, veio junto para a visita. Ele usava calças com as barras dobradas e cabelo armado. Tinha ares de moço rico, mas ela sabia que ele tinha a mesma condição financeira dela. Mas ele lia muito. Lia e ouvia rádio.
Ela, para impressioná-lo, sussurrou-lhe:
- Sua vó e as outras tias imitam o sentido da encruzilhada na frente da cara, toda vez que vêm aqui, disfarçado de sinal da cruz. Tenho certeza que é alguma simpatia pra tirar ruga.
Ele gargalhou. Gargalhada sonora. Era o maior disparate que já havia ouvido.
Ela ficou sem graça.
Quando conseguiu parar de rir, olhou melhor para aquela menina beiçuda, de vestido florido, cabelo mal trançado, pele cor de jambo e grandes e curiosos olhos negros e sentiu ternura por ela.
Nunca tinha sentido afeto genuíno e sincero por alguém antes, mas naquele instante, decidiu-se que iria instruí-la e ajudá-la a também sair daquele fim de mundo.
Mudou de postura, tomou a menina pela mão e foi se sentar com ela no banco de cimento do quintal.
Tirou um toca fitas a pilha do bolso, colocou gentilmente o fone nela e apertou o play.
Ela arrepiou. O lamento da voz rouca de uma mulher a fez estremecer. Nunca tinha ouvido música tão forte, cheia de sentimentos, que parecia desnudar seu interior.
- Que que é isso?
- Blues, minha cara.
- Esse é o nome da música?
- Não. Blues é uma forma musical que se fundamenta no uso de notas tocadas ou cantadas numa frequência baixa, com fins expressivos.
- Como?
Ele sorriu e a aconchegou junto à lateral de seu corpo e explicou:
- Blues é o nome do ritmo, sensual e vigoroso, que os negros americanos cantavam na época da escravidão nas plantações de algodão. É por causa do Blues que elas fazem o sinal da cruz na encruzilhada.
Ele gostou de sentir o toque daquela pele de menina-moça e resolveu dar continuidade à lição para mantê-la mais tempo junto a si.
- Diz a lenda que Robert Leroy Johnson vendeu sua alma ao diabo na encruzilhada das rodovias 61 e 49, no Mississippi, em troca da proeza de tocar guitarra. O dito teria pego seu violão e afinado um tom abaixo, devolvendo para Johnson junto com uma gaita cromada e mandado que tocasse. Johnson se tornou um dos músicos mais influentes do Blues e acabou tendo uma morte misteriosa. Todo negro que se preze, evita encruzilhada porque sabe que o diabo anda por lá. Seu vô foi maluco quando ergueu essa casa aqui. Maluco e corajoso.
Mas ela já não o ouvia mais.
O som do Blues que lhe entrara nos ouvidos, enquanto aquele corpo quente tocava o seu, despertou o diabo e, naquele momento, sua alma se vendia na encruzilhada defronte da casa, em troca de cantar Blues como a mulher que ouvira e ter aquele homem para si.

23 de jan. de 2010

Cerebelo









Inspirada num impulso cerebral


Fábio Shiraga, além de ser o homem que eu amo por mil e tantas razões, é expert em música.
Sempre me apresenta coisas novas.
Algumas, não tão interessantes para meu arisco gosto musical, deixo cair no limbo do esquecimento, mas há outras que simplesmente me fascinam.
O som do grupo paulistano Cérebro Eletrônico, por exemplo, me conquistou, em especial a música "Pareço moderno".
Sempre gostei mais de letra do que de melodia e me identifiquei muitíssimo com a letra desta música, que, além de tudo, tem uma melodia deliciosa.
Outra canção deste mesmo grupo muito bacana, que me faz rir e cantarolar é a música .
Vale a pena curtir o som da banda e dar uma lida nas letras. 

Pareço Moderno - Cérebro Eletrônico
Composição: Tatá Aeroplano

Gosto de cinema, ponto
vivo cheio de manias
tenho uma certa ... pré-dislexia
Às vezes eu surto mesmo
mudo de assunto
sumo e não assumo
a minha lucidez
Pareço moderno a te procurar
Caio na balada, admito
Alimento meu espírito
com litros de café e saio pra dançar
Sempre quando acordo cedo
crio uma canção maluca
ligada ao sonho e ao Ménage a Trois
Pareço moderno a te procurar
Toda vez que eu a encontro
perco o chão, fico sem jeito
quero trucida-la a esmo
e não partirei enquanto não conseguir meu feito
Sei que pego mal contigo
minha nóia eu não escondo 
Sérgio Sampaio vai chegar pra lhe dizer
que eu, que eu, que eu
Pareço moderno,
pareço Roberto a te procurar


Dê - Cérebro Eletrônico
Composição: Letra: Tatá Aeroplano / Música: Fernando Maranho e Tatá Aeroplano


Dê amor
Dê paixão
Dê espera
Dê esperma
Dê prazer
Dê fogo
Dê uma nela
De carinho
De sacanagem
De sarro
De fato
Dê amor
Dê segurança
De anca na anca dela
E amanheça de cabeça dentro dela

11 de jan. de 2010

Fim do mundo


Inspirada numa canção

Ao ouvir a coletânea que gravara para o homem que amava, ela atentou-se para uma música, dentre tantas, que naquele momento sobressaiu-lhe aos ouvidos.
A canção, de um dos seus compositores favoritos, Paulinho Moska - que, entre outras canções fabulosas, é o autor de uma das suas favoritas, "Um e Outro", pouco conhecida, mas que tocava seu coração como poucas - falava sobre o fim do mundo.
O que faríamos se nós restasse um dia?
Quais seriam nossas prioridades?
Seríamos politicamente corretos?
Ou avacalharíamos com tudo?
Qual a nossa verdadeira índole?
Acreditamos realmente no pós vida?
Remoendo sobre essas questões, não conseguiu chegar a nenhuma conclusão e só lhe restou continuar ouvindo "O último dia".

Meu amor

O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?


Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia?
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?


Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?


Corria pr'um shopping center
Ou para uma academia?
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia?

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?

Andava pelado na chuva?
Corria no meio da rua?
Entrava de roupa no mar?
Trepava sem camisinha?


Meu amor
O que você faria, hein?
O que você faria?

Abria a porta do hospício?
Trancava a da delegacia?
Dinamitava o meu carro?
Parava o tráfego e ria?


Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?


Meu amor
O que você faria?
O que você faria?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria
Me diz o que você faria

30 de jul. de 2009

Travessia

Inspirada numa preferência


Abriu a quarta garrafa de vinho com dificuldade.

Tomou um longo gole no gargalo.

Havia desistido da taça no meio da primeira garrafa.

Bebia sozinha. Formalidades eram dispensáveis.

Era um ritual passar o dia 30 de julho sozinha.

Sofrendo.

Chorando.

Neste ano, decidira embebedar-se.

Olhou para as fotos espalhadas na cama.

Deitou sobre elas.

Suas roupas ainda estavam úmidas do banho de chuva e as fotos grudavam nelas.

Teve medo de danificar as imagens.

Eram as únicas coisas dele que restavam.

Despiu-se.

Deu play no CD.

Milton inundou o ambiente.

"Quando você foi embora fez-se noite em meu viver.

Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar".

Milton era perfeito.

Lembrou-se, divertida, da interpretação de Bjork, de Travessia.


Preferia Milton. Sem dúvida.


Cantou junto com a música.

Aumentou o som.

"Solto a voz nas estradas, já não quero parar

Meu caminho é de pedras, como posso sonhar

Sonho feito de brisa, vento vem terminar

Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar"

Esmurrou o próprio peito e atracou-se com a garrafa.

Ingeriu mais meio litro.

Amontoou as fotos e beijou-as.

Pediu perdão para o menino que lhe sorria e continou a cantar.

"Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você

Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver

Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer

Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver"

Rodopiou nua pelo quarto, sempre com a garrafa na mão.

Antes que a música chegasse ao fim, apertou a tecla repeat.

Milton reiniciava sua cantoria.

Ela reiniciava seu lamento.

A garrafa chegava ao fim.

Antes do final da música, ela já estava desmaiada em sua cama, segurando uma das fotos.

Acordaria, no dia seguinte, com o cabelo sujo de vômito.

A ressaca seria sua companhia.

E sua travessia recomeçaria.

2 de mai. de 2009

Canteiros

Inspirada num poema


Tem um cantor/compositor brasileiro um tanto marginalizado, de nome Raimundo, que é o cara que musicou alguns dos mais belos poemas já escritos.

Tudo bem que as borbulhas de amor o denigrem, mas, "Canteiros" é um dos exemplos de sua genialidade...

Inspirada no poema "Marcha" http://www.cin.ufpe.br/~ago/poesias/cmeireles de Cecília Meireles essa música é, para mim, uma das mais belas representações do sentido da vida.

Sutilmente nos indica o caminho, nos fazendo seguir em frente apesar das dores passadas, nos dizendo para transformar o sentimento de perda em saudades. Lembrando-nos de fechar os olhos para olharmos dentro de nós mesmos.



Canteiros,
Raimundo Fagner.

Quando penso em você

Fecho os olhos de saudade

Tenho tido muita coisa

Menos a felicidade

Correm os meus dedos longos

Em versos tristes que invento

Nem aquilo a que me entrego

Já me dá contentamento

Pode ser até manhã

Sendo claro, feito o dia

Mas nada do que me dizem

me faz sentir alegria

Eu só queria ter do mato

Um gosto de framboesa

Pra correr entre os canteiros

E esconder minha tristeza

E eu ainda sou bem moço pra tanta tristeza ...

E deixemos de coisa, cuidemos da vida

Senão chega a morte

Ou coisa parecida

E nos arrasta moço

Sem ter visto a vida

Fanatismo

Inspirada numa canção

Recebi duras críticas e reprimendas de que minhas últimas postagens tinham um teor muito religioso, com críticas veladas ao catolicismo. Não faço críticas veladas, critico abertamente mesmo, mas, não fico presa à críticas vazias, apresento dados e exponho fatos com a intenção de dar ferramentas para que os demais possam pensar por si mesmos e chegar à suas próprias conclusões.

Minha crítica é contra a intolerância e o fanatismo, mas, deu com os burros n'água quem pensou, baseado no título, que mais uma vez, ficarei falando de religião...

O assunto da vez é muito mais interessante: Florbela Espanca.

A primeira vez que ouvi esse nome fui tomada por um estranhamento... achei que se tratava de algum pseudônimo ou algo do gênero. Ledo engano.

Florbela d'Alma da Conceição Espanca. Poesia no nome e na vida. Lirismo triste despetalado em afetos e amores despedaçados em casamentos. Desejos floridos a peles, invernando ardentes carinhos irmanados a melancolias de profundas raízes. Corolário de anseios e dúvidas. Crisântemo de cruciante sentimento, aberto em solário de roxidões imensas – uma beleza de alegrias amarelecidas com palores outonais de páginas esquecidas em longes livros desvividos de romances. Música de palavras embaladas no lamento de voz perdida em alamedas áridas de consolo. Solidões noturnas e lutuosas em pálpebras descidas às pétalas de sonhos sepultadas ao céu aberto da desesperança. Julieta alentejana sem Romeu, longe de Verona. Flor da vida e flor da morte. Florbela D’Alma, renascida de si mesma nas dores sementeiras de elegíacos jardins veronais. Conceição de crisântemos que desabrocham tristezas sobre tristezas em refluxos de violeta cor. Espanca, ó Flor, o sentimento que fustiga de dor o pólen dourado de seu verbo para verter o ouro da chaga de seu verso.


Fagner canta Florbela:

Fanatismo
por Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”