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26 de mai. de 2011

Dois dentes de Francisco

Inspirada numa mordida


Neste 26 de maio o Francisco completa, exatamente às 10h14 da manhã, 10 meses de alegrias, sustos, descobertas e aprendizagens.
Ele tem ido à creche desde os 5 meses, pois a mamãe trabalha fora e ele, com seus dois dentinhos no maxilar inferior, suas covinhas na bochecha e seus grandes e brilhantes olhos orientais, tornou-se o queridinho da escola.
Tanto na chegada, quanto na saída, é um barato ver as crianças, de todas as séries, dando "bom dia Fanchico", "tchau Fanchico", ao que ele responde com gargalhadas, tchaus e mandando beijos.
Dia desses, no entanto, a mamãe foi buscá-lo e as monitoras vieram correndo em sua direção.
- Ele levou uma mordida.
Ela olhou para ele, que brincava despreocupadamente no chão e o pegou ligeiro no colo. Só então viu a marca de dois dentes em seu braço.
Elas explicaram à mãe que só notaram a mordida quando foram dar banho, mas que ninguém havia presenciado o "crime" e, portanto, era impossível apontar de imediato quem fora o bandido.
Iniciaram uma investigação.
A primeira suspeita foi uma menininha de 13 meses, cabelo chanel e olhar tímido, que estava sempre com ele, mas ela tinha 3 dentes, o que a excluía.
Depois, havia o único mais novo que ele na sala. Cabelinho encaracolado, 8 meses e olhar astuto. Mas esse também só tinha um dentinho e foi excluído da lista de culpados.
Diante do impasse, deixaram a investigação para o dia seguinte.
Chegando em casa, contou o acontecido e a comoção foi geral.
A avó falou em abrir inquérito. O avô disse que antes registraria um B.O.
O tio correu pegar a máquina fotográfica para registrar a prova do crime, enquanto a tia explicava ao pai, que acabava de chegar do trabalho, como teria acontecido o crime.
Então o pequeno Francisco começou a resmungar de fome.
Diante das acaloradas hipóteses sobre o acontecido, esqueceram-se completamente de alimentá-lo.
Finalmente, deram-lhe a janta e mamadeira. Como ele se sujou durante a refeição, foi necessário mais um banho.
Ao despi-lo, a mãe notou, próxima ao pulso, a marca de mais dois dentinhos.
Mas a marca não estava lá antes.
Olhou para o filho que lhe sorriu, com seus dois dentes, antes de cravá-los no braço para coçar a gengiva.

1 de fev. de 2011

Um adolescente em minha vida

Inspirada numa conversa


 
Me lembro da minha adolescência, que não foi nada fácil.
Ser adolescente é uma das fases mais complicadas da vida, mas descubro agora que, mais difícil do que a própria adolescência é ser mãe de adolescente.
O humor varia muito, assim como a disposição.
Amor e ódio andam lado a lado durante todo o dia.
Todos os fatos, até os mais corriqueiros, tomam proporções gigantescas.
O corpo muda.
O temperamento muda.
A voz muda.
Os gostos mudam.
A mudança atinge tudo e todos que estão às voltas com esse prospecto de adulto.
Tudo é culpa da mãe. A chuva que cai; o sol que queima; o tempo que não passa; o giz que acabou; o jogo perdido; o chulé; a unha comida; a energia que acaba; o computador que trava; e assim por diante.
Complicado.
Mas, no meio de todas essas contradições, de toda birra e esquisitices, minha vareta em forma de gente, me pede para colocá-lo na cama para dormir, me enlaça o pescoço e, quase totalmente tomado pelo sono, me beija e diz que me ama.
Aí descomplica tudo e meu adolescente volta a ser meu bebê.

3 de dez. de 2010

Se meu fusca falasse

Inspirada numa lição

Ela estava eufórica. Havia comprado seu primeiro carro sem ajuda de pai, irmão etc.
Era uma vitória. Ganhara sua liberdade de ir e vir.
Andava no seu fusca branco, ano 68, semi-conservado, como se pilotasse um Porsche Carrera GT, eleito o carro do ano na época. Sentia o mundo a seus pés e se orgulhava de seu possante.
Vivia tempos de bonança.
Um aumento salarial possibilitara que colocasse o filho - que chegara em idade primária - em um bom colégio particular.
Fazia questão de buscá-lo na porta da escola com o vidro aberto, cabelos ao vento. O rádio sempre sintonizado em uma rádio que só tocava MPB. Exibia o seu bom gosto musical assim como exibia sua caranga.
Seu filho, sempre muito falante e alegre, portava-se cabisbaixo e amuado na saída da escola.
Preocupada que ele tivesse tendo problemas na escola, questionou-o e, veementemente, ele negou qualquer intercorrência.
Contudo, aquele comportamento não habitual repetia-se dia após dia e ela decidiu outra abordagem.
- Abra seu coração comigo, meu filho. O que está te incomodando?
Com um profundo suspiro ele revelou que sentia vergonha do fusca da mãe e pediu que ela não mais estacionasse na porta da escola, que parasse na rua de trás.
Ela, apesar de entender o sentimento do filho - afinal, também já havia sido criança e seu pai tivera uma "Variant" laranja -, ficou consternada com a aflição e, pela primeira vez, duvidou ter sido uma boa idéia colocar o menino em uma escola particular.
Será que ele havia desaprendido tudo o que ela havia ensinado sobre a irrelevância dos bens materiais?
Sem muito pensar sentenciou:
- Há coisas que causam muito mais vergonha do que um Fusca. Mas, farei o que me pede.
No dia seguinte, chegou um pouco antes do horário da saída estacionou o carro na rua transversal e foi, caminhando serenamente, esperá-lo na porta da escola.
Quem já viu uma saída de colégio sabe o tumulto e a algazarra que se formamquando o sino toca. É um embarque e desembarque constante em carros, vans e ônibus. Mães aglomeradas tentando reconhecer seus rebentos dentre tantas cabecinhas uniformizadas.
No meio dessa balbúrdia ela levanta os braços e com movimentos de chamamento se põe a cantar, elevando a voz acima da cacofonia "Vem neném, vem neném, vem neném, vem!" Algumas mães a olham com espanto e ela continua a cantoria, sempre o mesmo refrão, cada vez acrescido de mais um movimento de dança, como palmas e pulinhos, até que avista o filho e parte para o inevitável grand finale mãos nos joelhos e roboladinha.
O menino a olha espantado e pergunta porque aquilo e ela simplesmente responde que há coisas mais embaraçosas que um carro velho.
Ela continua a cantar e a dançar durante todo o caminho até o carro e, perplexo, o filho faz voto de silêncio.
Por mais quatro dias a cena se repete, até que o menino pede que a mãe volte a pegá-lo na porta de escola, de Fusca, pois seus colegas de classe o indagaram sobre o estranho comportamento dela e ele lhes contou a história, fazendo seus amigos rirem e desejarem que suas próprias mães lhes aplicassem castigos tão engraçados assim.
O mais importante foi que o garoto entendeu que aquele não se tratava de um castigo, mas que a mãe lhe dera uma lição, não apenas sobre materialismo, mas sobre a péssima tendência que temos a ver as coisas apenas pelo ângulo do que o mundo capitalista valoriza e nos esquecemos de pensar inocentemente como crianças, até mesmo quando ainda somos crianças.

26 de ago. de 2010

1 mês

Inspirada num olhar e num beijo


O Francisco engorda na mesma proporção com que emagreço.
O Francisco cresce na mesma proporção com que minhas medidas diminuem.
O Francisco não dorme na mesma proporção com que minhas olheiras aumentam.

Mas, há um momento, aquele momento, em que seu olhar vem na direção do meu e seus lábios tocam minha pele, e então toda a exaustão é dissipada e a felicidade inunda todo meu ser e tudo que nos cerca...

25 de mai. de 2010

Nada se cria, tudo se copia

Inspirada numa foto

Descaradamente copiei a foto do blog do Sr. Meu Namorado, Fábio Shiraga e colei aqui.
Tudo porque meu cunhado e compadre, o talentosíssimo fotógrafo Nelson Shiraga, fez uma sessão de fotos nossa, para registrar o 6º mês do Francisco ainda no meu barrigão e enviou, até agora, essa única foto para o Fá.
De qualquer forma, é inevitável compartilhar nossa felicidade, na crença de que a alegria, assim como o amor, é contagiosa.
A propósito, a data prevista para o parto é 23/07/2010.

9 de mar. de 2010

A primeira vez de um homem


Inspirada numa emoção

Há homens que amam a si mesmos.
Há outros que amam mulheres.
Há aqueles que amam outros homens.
Ou que não amam ninguém.
Há os que amam esportes.
Ou os que amam música, filmes, artes.
Há homens que são amados.
Outros são abandonados.
Mas também há homens que abandonam.
Há homens que adoram comida.
Outros, preferem bebida.
Mas, hoje, o assunto é um pequeno homem que ama carros...

Domingo nublado, tempinho frio.
O pequeno homem e o homem amado saem para dar uma volta.
- Posso dirigir?
- Você já dirigiu antes?
- Sou craque no jogo de corrida.
- Mas carro de verdade é diferente.
- Eu sei, mas já dirigi no colo do meu pai.
- Tá bom, deixo você dirigir lá no condomínio da sua tia, porque lá não tem perigo.

O banco é colocado para frente. O pequeno homem alcança os pedais sem problemas.
Cinto de segurança. Câmbio em ponto morto. A partida é dada.
O carro engasga. Morre.

- Não fica nervoso, vamos de novo.
Dessa vez, com poucos trancos, o carro começa a andar ligeiramente.

- Ai meu Deus. Que legal!
- Troca a marcha.
- Ai meu Deus. Tenho medo de trocar a marcha.
- Fique calmo que estou do seu lado.
- Acho que por hoje tá bom. Posso tentar de novo outro dia?
- Claro que pode. Você foi muito bem. Parabéns.

O pequeno homem ri.
Os olhos estão brilhando.
As mãos trêmulas transpiram.
O sorriso largo é contagiante.

Emocionada, a mãe aplaude.
Havia presenciado a primeira vez do seu pequeno homem e partilhado da sua emoção.

8 de mar. de 2010

FRANCISCO

Inspirada numa novidade

A maternidade me deixa mais sensível, nostálgica, carinhosa e com sentimentos e lembranças inconstantes.
Nesse emaranhado de emoções, lembrei-me de um exercício de português que fazíamos na escola, com o objetivo de ampliar e enriquecer o vocabulário: acróstico dos nomes.
É engraçado como há anos não me proponho a um exercício desses.
Em geral, o fazíamos com o nome de amigas(os), preenchendo cada letra do nome da pessoa com um adjetivo bajulador.
Era divertido.
Como acabamos de saber o sexo do nosso bebê, resolvi fazer o acróstico do seu nome, não com adjetivos, mas com a tentativa de estrututar um pouco da sua própria história. Francisco, o personagem que roubou a cena nesse dia internacional da mulher!

F ilho da Fá e do Fá

R iqueza do vô Helcio e da vó Jurema

A filhado do tio Ju e da tia Alê

N eto primogênito do vô Nelson e da vó Irene

C riança muito amada desde o ventre

I rmão do Léo

S obrinho do Marcelo, do Júnior, do Hugo e da Juliana

C o-sobrinho da Cinthia, da Alessandra e do Guerreiro

O rgulho da família e amigos


Chico, seja recebido com muito amor, carinho e boas energias por todos!

8 de jan. de 2010

Bendito fruto



Inspirada numa imagem


A noite mal dormida fora conseqüência da ansiedade, mas, a despeito do cansaço físico e mental estava bem. Sentia-se feliz.
Levantou antes do relógio despertar.
Depois de uma ducha rápida, sentou-se nua na cama e acariciou o ventre.
Balbuciou uma canção de ninar enquanto espalhava o hidratante pelo corpo.
Sua respiração estava calma, sua mente estava tranquila.
No horário adequado, ela e o homem a quem amava foram ao consultório.
Sala de espera cheia. Tinham hora marcada, mas precisaram pegar senha e aguardar.
Quarenta minutos depois foram chamados à sala.
Ambiente na penumbra, silencioso, a atendente fez as perguntas de praxe e pediu que ela se sentasse.
Com um ligeiro sorriso a médica se apresentou e ligou a máquina.
Os batimentos cardíacos dela se elevaram.
Uma imagem disforme surgiu na tela.
Um som forte encheu o ambiente.
- Esse é o coraçãozinho do seu bebê.
Ela e o amado apertaram-se as mãos.
Estavam vendo o filho pela primeira vez.
A mãozinha estava sobre o nariz.
As pernas, cruzadas para cima.
A cabeça bem redondinha.
E o coração.
O pequeno coração batia com uma velocidade incrível e seu som era um deleite para os ouvidos dos seus pais.
Apaixonaram-se.
O carinho, o amor já existiam, isso era claro, mas, a verdadeira entrega, a paixão de pai pra filho surgiu naquele momento.
Data prevista para o parto: 27 de julho.
Só faltavam mais 7 meses para abraçarem e beijarem a Isabel ou o Francisco.

21 de jan. de 2009

Jedi

Inspirada numa brincadeira

Para ter mais tempo de bombardear a criança com informações que julgava imprescindíveis, a mãe, nada convencional, comprava comida pronta e preparava quase todas as refeições no microondas, o que escandalizava os demais que a criticavam por não estar se dedicando de forno e fogão ao filho.
Certo domingo, preocupada com a formação cultural da criança, a mãe coloca o filho para assistir, de uma só vez, os seis episódios da saga de Star Wars.
Enquanto a criança passava o dia inteiro em frente ao televisor, a mãe ouvia censuras às suas idéias excêntricas sobre cultura, cinema, livros, músicas, guerras, políticas e histórias, com as quais doutrinava o filho.
Terminada a sessão, a mãe e a criança trocaram impressões quanto à história assistida, os aspectos técnicos do filme e sobre idéias políticas, filosóficas e musicais. Foram dormir.
A mãe sentia-se feliz com a certeza de que havia contribuído muito para o aperfeiçoamento moral e intelectual do filho, mas, ao colocar a cabeça no travesseiro, uma dúvida a assolou: “estaria queimando etapas da infância da criança?”.
Na madrugada ouviu um barulho.
De pronto levantou-se e correu ao quarto do filho.
Em pé, sobre a cama, uma criatura calçando botinas pretas e trajando calça social preta, blusa preta e capacete preto, olhou-a e explicou:
- Luke, eu sou seu pai.
Riu aliviada.
O filho continuava sendo criança.

5 de jan. de 2009

O contador de histórias

Inspirada numa razão para viver

“Hoje eu fiz dois gols. Um de falta. O outro, vim driblando desde a zaga. Cortei meu marcador com um totózinho. Trouxe a bola pro pé direito. Chutei. Indefensável. Gol. No segundo tempo fiquei de goleiro. Defendi um pênalti. Foi por um tiquinho assim que não defendi o gol de empate. Minha zaga era muito fraca e se não to lá na frente, ninguém mais faz gol. A professora me elogiou hoje. Quer dizer, as professoras me elogiaram. A de educação física porque eu sou o craque do time e a da classe porque fui o primeiro a terminar a conta de matemática. Expressão numérica. Mó difícil. Você não ia conseguir fazer porque não é boa de matemática. Só de português. Aí deixa eu e meu pai no chinelo. Até agora tava sol. Mas começou a ventar e tá garoando. Não posso brincar lá fora então vim aqui te contar um coisa. Não chora. Sonhei com ele essa noite. Ele me chamou de tato e me pediu pra jogar bola. To com saudades. Quando você vai poder levantar pra brincar comigo? Mãe, você tem que ver a menina nova que entrou na escola. Ela é linda. Você não vai acreditar. Tem o mesmo nome da outra. Acho que ela gosta de mim. Me chamou pra brincar de pega-pega no recreio, depois esbarrou comigo no bebedouro. To fazendo sucesso com a mulherada. Mas me fala, quando você vai poder levantar pra brincar comigo?”.
- Não sei, depende do médico. Deita aqui um pouquinho comigo?
“Você ainda tá muito machucada, mãe.”
- Só um pouquinho.
“Tá bom. Vou deitar com cuidado. Me avisa se doer. Pronto. Que travesseiro duro. Vou buscar o meu que é mais gostoso. Não saia daí. Piada sem graça, né mãe? Já volto e te conto sobre meu novo jogo de vídeo game e o carro turbinado que desenhei. Vou pedir pra vó cortar minha unha, pra eu não comer e você ficar feliz.”

O contador de histórias era a única razão para ela continuar vivendo.

4 de jan. de 2009

O dançarino

Inspirada numa saudade

- Menino, desce daí.
Ele sorriu, virou de costas, abriu os braços e dançou.
A mãe o pegou abruptamente pelos braços, sentou-o em seu colo e explicou o perigo de subir na mesa de vidro.
"O vidro pode quebrar. Você é pesado. Nenê machuca."
O dançarino sorriu e a beijou. Aninhou-se em seu colo. Brincou com seus cabelos.
...
- Menino, dessa vez você vai apanhar.
Ele sorriu, ajeitou-se melhor e dançou.
Com o coração aos pulos a mãe o pegou no alto, sentou-o em seu colo e explicou o perigo de subir na estante.
"É muito alto. Você é pequeno. Nenê machuca."
O dançarino sorriu e a beijou. Aninhou-se em seu colo. Brincou com seus cabelos.
...
- Menino, pelo amor de Deus, não se mexa.
Ele sorriu e dançou.
Em pânico, a mãe debruçou-se na borda da piscina. Com uma mão segurava a lona de cobertura e com a outra chamava o menino gentilmente. Ele continuava a dançar. Com o dedo em riste a mãe gritou "Menino, venha já pra cá". O desespero da voz da mãe o assustou e ele percebeu que, dessa vez, ela falava sério.
Entre lágrimas ele veio andando até o alcance das mãos da mãe que o puxou no momento em que a lona cedia.
A mãe o sentou no colo, o beijou e brincou com seus cabelos, pedindo desculpas por ter ficado brava com ele.
Ele a desculpou com um abraço.
...
A família saiu para buscar o jantar.
A mãe sentou com o dançarino e o contador de histórias no banco de trás.
O dançarino ficou em pé no banco. Queria dançar. Dançou.
A mãe o pegou, sentou-o no colo e explicou que era perigoso.
"O carro pode ter que parar de repente. Você é bebê. Nenê machuca."
O dançarino sorriu e a beijou.
Um cruzamento.
Um motorista bêbado.
Um acidente.
No colo da mãe, o dançarino parou de dançar.
Para sempre.

3 de jan. de 2009

Coisa de criança

Inspirada numa memória remota

- Vamos logo! Daqui a pouco tenho que subir jantar. O que os dois estão cochichando aí?
Sim, ela estava disfarçando. Havia planejado toda aquela situação.
O cúmplice olhou para ela e deu uma piscadela antes de chamar:
- Vai, todo mundo, em fila de frente pra mim.
Ela colocou-se na terceira posição da direita para a esquerda. O cúmplice cegou-o, sorriu e começou:
- É esse?
O cúmplice havia começado pelo outro lado só pelo prazer de vê-la desesperar-se e apontou para a primeira pessoa da esquerda. “Droga”, agora havia cinco obstáculos antes da concretização do seu plano.
- É esse?
- Não.
- É esse?
- Não.
Era preciso paciência...
- É esse?
- Não.
- É esse?
- Não.
Ela prendeu a respiração. Seria a próxima.
- É esse?
E o cúmplice fez uma nada discreta pressão com a ponta dos dedos na têmpora do cego e repetiu a pergunta:
- É esse?
- É.
Todos sorriram.
- E o que você quer dele? Beijo, abraço, aperto de mão ou passeio no bosque?
Ela sentiu tontura porque ainda mantinha a respiração presa. Suas mãos suavam.
O cego, que até então se deixara conduzir e manipular, de bom grado, decidiu tomar as rédeas da situação.
- Passeio no bosque.
A decepção estampou-se no rosto dela. Tantos planos. Tantas esperanças. Expectativa altíssima. Frustração gritante. Com voz azeda pediu para irem logo.
O “passeio no bosque” era uma volta em torno da construção.
Ela, passos acelerados. Estava furiosa.
Quando chegaram ao lado oposto de onde estavam o cúmplice e os figurantes, ele a tomou pelo braço e a fez parar.
- Posso te beijar?
Sua voz era macia. Seu toque era macio. Seus olhos eram macios. Só ela era dura.
- Claro que não. Você pediu “passeio no bosque” e não “beijo”.
Ele sorriu, não esperava outro tipo de resposta da menina mais brava que conhecia.
- Mas vou te beijar assim mesmo.
Ele a encostou na parede e a beijou. Foi um beijo desajeitado, sôfrego, sufocante. Os dentes de chocaram por duas vezes. Um beijo de língua. Roubado. O primeiro beijo de amor dela.
Terminada a carícia, seguiram, devagar, com o passeio no bosque.
Ela, rememorando cada detalhe que, um dia, contaria aos netos, ainda sentia aquele gosto de boca em sua boca e tinha certeza que, mais tarde, cheiraria sua roupa e o cheiro dele estaria nela.
Com sua visão afetada pelo primeiro beijo, olhou para ele de canto de olho. Ele mantinha a cabeça baixa, mas assobiava. Ela então teve a certeza que ele sofria de timidez, que ele havia pedido o “passeio no bosque” para beijá-la longe dos olhos de todos. Mas ele tinha sido o primeiro e ficariam juntos para sempre.
Ele, assobiando, pensava que aquele era um grande momento. Ele havia beijado a menina mais brava do mundo. O beijo não tinha sido tão bom, mas eles tinham só treze anos, se aperfeiçoariam. O que importa é que ele a tinha beijado. O próximo passo era conversar com o cúmplice. Impulsionado pelo seu caráter volúvel, estava determinado a beijar escondido – para não manchar sua reputação de bom menino – todas as meninas do grupo até o fim do verão. Ela tinha sido só a primeira.