3 de set. de 2009

Curto-circuito


Inspirada numa sobrecarga


Descalça e com roupa provocante, ela passou, cuidadosamente, o trinco na porta e certificou-se que as janelas estavam fechadas.
Retocou o batom, olhou-se no espelho e tirou o telefone do gancho.
Nada poderia atrapalhar aquele momento.
Prendeu os cabelos no alto da cabeça, para deixar a nuca sensualmente exposta.
Sentou-se em frente ao computador com cara de safada.
Fez login no Skype.
Deixaria tudo preparado para a hora que ele ficasse online.
Colocou um cd, especialmente gravado para aquele momento, no drive e a música encheu o ambiente.
Com cuidado, conectou os cabos do novo headphone comprado para aquele fim.
Acoplou a filmadora ao computador, para registrar todos os momentos.
Deu um pause na música e decidiu, enquanto esperava por ele, assistir um dos vários filmes salvos na memória do computador.
Das opções, julgou Bonequinha de Luxo a mais adequada.
Resolveu checar todos os hardwares.
A webcam apresentou problemas.
Que droga! Nada poderia falhar naquele momento, muito menos a webcam.
Irritada, afastou a cadeira e se levantou para checar o cabo.
Levou um choque. Caiu desmaiada.
O curto-circuito incendiou o estabilizador e as chamas logo chegaram às cortinas.
Em pouco tempo a sala estava tomada pelo fogo.
No fim das contas, a aventura virtual dela teve o fim quente que tanto desejava.

2 de set. de 2009

G.P.S.

Inspirada num pedágio a mais


- Zeca Baleiro vai tocar, de graça, em Jaguariúna sábado.
- Mentira!
- Juro!
- Nós vamos, né?
- Claro que vamos.
Desligaram o telefone.
O coração dela estava disparado.
O amigo havia lhe dado a melhor notícia da semana. Do mês. Do ano!
Rapidamente, passou a notícia adiante.
Infelizmente, nem todos seus amigos sabiam apreciar a arte baleeira. Alguns riram.
Dois empolgaram-se. Um não pode ir. Outro foi. Foram em quatro.
Nunca haviam ido para Jaguariúna.
O caminho era desconhecido.
Levaram o G.P.S.
Saíram cedo, para não correr o risco de perder o show.
Alegres, contentes e cantando, pegaram a estrada. Estavam empolgados.
Ao entrarem na rodovia, a primeira surpresa: o G.P.S. mandava que retornassem.
Rindo, decidiram ignorar a máquina e seguir as placas.
Depois de algum tempo, o G.P.S. avisa para virarem à esquerda.
- Só se nos jogarmos da ponte! Estamos em cima de uma ponte!
- Desliga essa porcaria.
- Não, deixa ligado. Aqui na estrada a gente se vira, mas vamos precisar dele na cidade.
Depois de mais algum tempo, um deles comentou:
- Nunca pensei que fosse tão longe.
- Cara, tem mais um pedágio? Como assim? Esse governo explora a gente mesmo.
Pagaram o pedágio.
Depois de muito mais tempo...
- Tem alguma coisa errada! Bem vindo à Monte Sião?
- Meu, estamos perdidos!
- Pqp.
- Que eu faço agora? Não tem retorno!
- Dá um cavalo de pau na pista.
Pegaram a direção contrária.
- Olha, tem um posto ali.
- Posto salvador. Vou entrar nesse posto.
O posto estava à uns 20 metros de distância, mas o motorista deu uma guinada repentina à direita.
VRAAAAAAUMMMMMMM PLAAAAAAAAAAAAFT SOOOOOOOOOOOCK BUUUUUUUM!
- Puta desnível! Tadinho do meu carro! Quase matei o carro! E nem é aqui a entrada dessa merda de posto!
As gargalhadas eram incontroláveis! Resolveram seguir em frente.
- O G.P.S. desistiu da gente. Aponta três direções diferentes agora.
- Recalcula isso aí.
A rota é novamente programada no aparelho.
- Maldito pedágio! Tem que pagar a volta também! Se alguém aqui votar nesse governador de novo, apanha!
- Lá vem ela falar de política.
- Fica quieta e recalcula a rota aí.
- Já está recalculada. Vocês são uns alienados mesmo.
A voz eletronica do G.P.S. ressoa no carro "Siga em frente. Virar à direita a 1 quilometro."
- Será que é confiável?
- Mais confiável do que nós aqui, com certeza é.
- Se eu perder esse show, eu choro.
- Chora nada.
- Choro sim.
- Tem um posto rodoviário ali na frente. Vamos parar e perguntar.
Era a melhor decisão da noite.
- Desce comigo? To com vergonha de estar perdido.
- Deixa de ser bobo. Eles estão aqui para ajudar gente perdida. Vamos lá vai.
O motorista e amiga desceram do carro e, receosos, dirigiram-se à guarita.
- Boa noite seu guarda. Estamos perdidos e o GPS nos traiu. Por favor, qual o caminho para Jaguariúna?
Com uma olhadela de sarro o guarda dá as coordenadas.
Na volta para o carro, ela implica:
- Eu sabia que tínhamos que pegar no outro sentido.
- Você deveria estar dirigindo então, dona sabe-tudo.
- Dá a chave que eu dirijo.
- Nem morto.
Já no carro, tentam seguir as instruções do policial.
- Ele mandou passar por baixo da ponte.
- Eu sei, mas onde tem ponte aqui?
- Ali na frente tem um trevo. Vamos por ali.
- Tem trevo, mas não tem ponte.
Os quatro juntos, escolheram uma das três opções de caminho.
- Que escuridão! Pagamos uma fortuna de pedágio e essa estrada não presta nem pra ter iluminação!
- Somos quatro perdidos numa noite suja.
- Isso é filme, não é?
- É. Filme brasileiro. Dois perdidos numa noite suja. Com aquela atriz bonitinha de cabelo curto.
- Débora Falabela.
- Isso.
- É putaria?
- Ah, é filme brasileiro, só pode, né.
Divagando por outros assuntos, quase se esqueceram que estavam perdidos.
- Que lugar deserto. Parece estrada vicinal.
- Tem certeza que pegou a direção certa no trevo?
- Não tenho certeza de mais nada.
- O que diz o G.P.S.?
- Está mandando voltar.
- Que horas são?
- 21h20.
- Ai, meu Deus. Vamos perder o show.
- Não vamos perder nada. Pensa positivo.
- Volta nessa estrada mesmo. O GPS tá mandando voltar.
- A gente deveria é ter se jogado da ponte quando ele mandou.
- Vou voltar, mas é a última vez que sigo esse negócio.
- Pronto. O aparelho já está dizendo que estamos chegando.
- Chegando onde Judas perdeu as botas?
- Não, onde ele furou as meias.
- Vocês e essas frases feitas.
- Deixa de ser chata.
- Olha que placa linda: JAGUARIÚNA.
- Chegamos! Chegamos! Chegamos! Chegamos!
Chegaram e, como que por milagre, chegaram antes do início do show.
Zeca Baleiro atrasou, só para esperar por eles.
Por quase duas horas cantaram, dançaram e riram.
Aproveitaram e esticaram até o último segundo.
Agora teriam um novo desafio: achar o caminho de volta pra casa.