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9 de dez. de 2011

Clarice Lispector

Inspirada numa data

Clarice Lispector morreu um dia antes de completar 57 anos e um dia antes de eu completar 3 meses de vida. Era verão de 1977, mais precisamente dia 09 de dezembro.
Apesar do que gosto de imaginar como uma semi-coincidência - termos nascido no mesmo dia, só em meses diferentes e ela ter falecido no ano em que nasci -, seu fascínio sobre mim não surgiu de imediato.
Meu primeiro contato com Clarice foi exatamente com A hora da estrela uma de suas obras mais aclamadas, mas que produziu em mim um estranhamento tão gigantesco, que cheguei a sentir aversão por aquela escrita intimista.
Para minha sorte, alguns anos depois, fui presenteada com o tocante Felicidade clandestina. A experiência foi impactante. O texto A quinta história, que até hoje figura entre os meus favoritos, me deixou perplexa ao relatar em suas ricas linhas, meus pobres pensamentos.
Eu, que já me banhava no universo da leitura há tempos, mas dava meus primeiros passos no tortuoso caminho da escrita, senti-me cerceada em minhas premissas temáticas, pois fui descobrindo que Clarice tivera o "dom" de escrever tudo o que eu queria ter escrito.
Aquela mulher com olhos felinos e rosto marcante passou, então, a ser minha companheira. Devorei A paixão segundo G.H., assim como a própria havia devorado a barata e, numa epifania - característica marcante do texto clariciano - dediquei-me a ler sua obra completa. Foi impossível adquirir vários de seus livros, em especial os infantis, mas o advento da internet e o belo e dedicado trabalho da equipe do Digital Source deram-me acesso às suas obras.
Me emocionei com Laços de Família e me deliciei com A via crucis do corpo, mas A hora da estrela seguia como uma espécie de tabu para mim e mantive-me afastada dele por mais um bom tempo.
Contudo, no 1º ano da faculdade, o melhor professor de literatura que já tive, o mestre Edvaldo Aparecido Rofatto, exigiu a leitura desta obra como nota de semestre. Tremi e temi. Mas o professor apresentou-nos as minúcias desse livro, fez contextualização com a mitologia grega, representou e chorou coma última cena do livro e me ajudou a descobrir qual era a causa do efeito que essa narrativa específica causava sobre mim.
Pronto. Clarice havia tomado conta de mim.

26 de mai. de 2011

Dois dentes de Francisco

Inspirada numa mordida


Neste 26 de maio o Francisco completa, exatamente às 10h14 da manhã, 10 meses de alegrias, sustos, descobertas e aprendizagens.
Ele tem ido à creche desde os 5 meses, pois a mamãe trabalha fora e ele, com seus dois dentinhos no maxilar inferior, suas covinhas na bochecha e seus grandes e brilhantes olhos orientais, tornou-se o queridinho da escola.
Tanto na chegada, quanto na saída, é um barato ver as crianças, de todas as séries, dando "bom dia Fanchico", "tchau Fanchico", ao que ele responde com gargalhadas, tchaus e mandando beijos.
Dia desses, no entanto, a mamãe foi buscá-lo e as monitoras vieram correndo em sua direção.
- Ele levou uma mordida.
Ela olhou para ele, que brincava despreocupadamente no chão e o pegou ligeiro no colo. Só então viu a marca de dois dentes em seu braço.
Elas explicaram à mãe que só notaram a mordida quando foram dar banho, mas que ninguém havia presenciado o "crime" e, portanto, era impossível apontar de imediato quem fora o bandido.
Iniciaram uma investigação.
A primeira suspeita foi uma menininha de 13 meses, cabelo chanel e olhar tímido, que estava sempre com ele, mas ela tinha 3 dentes, o que a excluía.
Depois, havia o único mais novo que ele na sala. Cabelinho encaracolado, 8 meses e olhar astuto. Mas esse também só tinha um dentinho e foi excluído da lista de culpados.
Diante do impasse, deixaram a investigação para o dia seguinte.
Chegando em casa, contou o acontecido e a comoção foi geral.
A avó falou em abrir inquérito. O avô disse que antes registraria um B.O.
O tio correu pegar a máquina fotográfica para registrar a prova do crime, enquanto a tia explicava ao pai, que acabava de chegar do trabalho, como teria acontecido o crime.
Então o pequeno Francisco começou a resmungar de fome.
Diante das acaloradas hipóteses sobre o acontecido, esqueceram-se completamente de alimentá-lo.
Finalmente, deram-lhe a janta e mamadeira. Como ele se sujou durante a refeição, foi necessário mais um banho.
Ao despi-lo, a mãe notou, próxima ao pulso, a marca de mais dois dentinhos.
Mas a marca não estava lá antes.
Olhou para o filho que lhe sorriu, com seus dois dentes, antes de cravá-los no braço para coçar a gengiva.

18 de mai. de 2011

Dar-te-ei

Inspirada num presente


Era véspera de Natal.
O casal apaixonado, economizando para concretizar o sonho da casa própria, combinou que naquele ano não trocaria presentes.
Ela, para prestigiá-lo, recitou o "Cântico dos Cânticos" e caprichou no sexo oral.
Ele, para recompensá-la, massageou-lhe o corpo todo e fez-lhe uma serenata com esta bela canção:

Dar-te-ei - Marcelo Jeneci 

Não te darei flores, não te darei, elas murcham, elas morrem
Não te darei presentes, não te darei, pois envelhecem e se desbotam
Não te darei bombons, não te darei, eles acabam, eles derretem
Não te darei festas, não te darei, elas terminam, elas choram, elas se vão
Dar-te-ei finalmente os beijos meus
Deixarei que esses lábios sejam meus, sejam teus.
Esses embalam... esses secam... mas esses ficam.
Não te darei bichinhos, não te darei, pois eles querem, eles comem
Não te darei papéis, não te darei, esses rasgam, esses borram
Não te darei discos, não, eles repetem, eles arranham
Não te darei casacos, não te darei, nem essas coisas que te resguardam e que se vão
Dar-te-ei a mim mesmo agora
E serei mais que alguém que vai correndo pro fim
Esse morre... envelhece... acaba e chora... ama e quer... desespera... esse vai... mas esse volta

Essa singela história é apenas para lembrar-nos de como podemos ser felizes com pouco.

17 de mai. de 2011

Blues

Inspirada numa encruzilhada


Cresceu numa casa defronte à uma encruzilhada.
Tias velhas vinham visitar a família e sempre se benziam antes de entrar na casa.
Curiosa como era, perguntava por que faziam aquilo e simplesmente diziam que era por causa da encruzilhada.
Ela ria, mesmo sem entender.
Certo dia, o neto de uma das tias, alguns anos mais velho do que ela, veio junto para a visita. Ele usava calças com as barras dobradas e cabelo armado. Tinha ares de moço rico, mas ela sabia que ele tinha a mesma condição financeira dela. Mas ele lia muito. Lia e ouvia rádio.
Ela, para impressioná-lo, sussurrou-lhe:
- Sua vó e as outras tias imitam o sentido da encruzilhada na frente da cara, toda vez que vêm aqui, disfarçado de sinal da cruz. Tenho certeza que é alguma simpatia pra tirar ruga.
Ele gargalhou. Gargalhada sonora. Era o maior disparate que já havia ouvido.
Ela ficou sem graça.
Quando conseguiu parar de rir, olhou melhor para aquela menina beiçuda, de vestido florido, cabelo mal trançado, pele cor de jambo e grandes e curiosos olhos negros e sentiu ternura por ela.
Nunca tinha sentido afeto genuíno e sincero por alguém antes, mas naquele instante, decidiu-se que iria instruí-la e ajudá-la a também sair daquele fim de mundo.
Mudou de postura, tomou a menina pela mão e foi se sentar com ela no banco de cimento do quintal.
Tirou um toca fitas a pilha do bolso, colocou gentilmente o fone nela e apertou o play.
Ela arrepiou. O lamento da voz rouca de uma mulher a fez estremecer. Nunca tinha ouvido música tão forte, cheia de sentimentos, que parecia desnudar seu interior.
- Que que é isso?
- Blues, minha cara.
- Esse é o nome da música?
- Não. Blues é uma forma musical que se fundamenta no uso de notas tocadas ou cantadas numa frequência baixa, com fins expressivos.
- Como?
Ele sorriu e a aconchegou junto à lateral de seu corpo e explicou:
- Blues é o nome do ritmo, sensual e vigoroso, que os negros americanos cantavam na época da escravidão nas plantações de algodão. É por causa do Blues que elas fazem o sinal da cruz na encruzilhada.
Ele gostou de sentir o toque daquela pele de menina-moça e resolveu dar continuidade à lição para mantê-la mais tempo junto a si.
- Diz a lenda que Robert Leroy Johnson vendeu sua alma ao diabo na encruzilhada das rodovias 61 e 49, no Mississippi, em troca da proeza de tocar guitarra. O dito teria pego seu violão e afinado um tom abaixo, devolvendo para Johnson junto com uma gaita cromada e mandado que tocasse. Johnson se tornou um dos músicos mais influentes do Blues e acabou tendo uma morte misteriosa. Todo negro que se preze, evita encruzilhada porque sabe que o diabo anda por lá. Seu vô foi maluco quando ergueu essa casa aqui. Maluco e corajoso.
Mas ela já não o ouvia mais.
O som do Blues que lhe entrara nos ouvidos, enquanto aquele corpo quente tocava o seu, despertou o diabo e, naquele momento, sua alma se vendia na encruzilhada defronte da casa, em troca de cantar Blues como a mulher que ouvira e ter aquele homem para si.

15 de fev. de 2011

A menina que não sabia ler


Inspirada numa reviravolta

Meados de setembro passado comprei "A menina que não sabia ler", de John Harding, porque estava sem leitura de banheiro e "A ilha sob o mar" de Isabel Allende, para ler na cama, porque ainda não havia lido nada desta prestigiada escritora que foi ícone da Flip de 2010.
Aliás, acho que já comentei sobre isso, mas vale ressaltar. Classifico minhas leituras em: leituras de banheiro e leituras de cama.
As leituras de banheiro são aquelas obras menores, que se lê no banheiro para passar o tempo, enquanto a leitura de cama é privilégio dos bons livros, que me incitam a ter um caderninho de anotações ao lado da cama, para ir registrando todas as ideias e frases de efeito que me agradam.
Pois bem, assim foi. "A menina" no banheiro e "A ilha" na cama.
Quando iniciei a leitura do primeiro, imediatamente, desde o título, fiz associação com o inestimável "A menina que roubava livros", história da qual gostei tanto, que fui impelida a criar este blog, mas isso já é história velha, contada na primeira postagem aqui.
Enfim, o livro conta a história de uma órfã - outra semelhança - que descobre uma enorme biblioteca proibida na mansão em que mora e aprende a ler sozinha. Apesar da inevitável sensação de "já vi essa história" comecei a gostar do ritmo do livro e julguei-me predisposta à leitura simultânea de "A ilha".
Este segundo livro, da editora Bertrand Brasil, com uma encardenação bem cuidada, detalhes na capa em altorrelevo, que me custara o dobro do primeiro, já me despertou desconfiança logo no começo, pois o "resumo" contido em sua orelha não condizia com o que eu estava lendo logo no primeiro capítulo, por exemplo: a orelha dizia que Zarité - a personagem principal - aprendeu a dançar e recebeu amor paterno do velho Zacharie, mas, o nome do velho escravo era Honoré.
Enquanto isso, o enredo de "A menina" começou a mudar e a se diferenciar do outro "A menina" e, após três dias de leitura simultânea, os livros trocaram de posição. "A ilha" foi para o banheiro, enquanto "A menina" veio para a cama. Sobre "A ilha", só direi que a leitura vale pelas informações, do então desconhecido para mim, Haiti, devastado por um terremoto ano passado e sobre o qual eu não sabia nada. Mas deixo claro que, futuramente, ainda pretendo voltar a ler Isabel Allende e, quem sabe, recomendá-la.
Agora, voltando ao livro que intitula esta postagem, que surpresa!
A reviravolta na história, a desconexão entre alguns fatos e a não explicação de tantos outros, fizeram com que eu refletisse mais sobre a natureza humana.
Lembrei-me, inclusive, de um debate do qual participei na faculdade certa vez, no qual tinha que defender a teoria de Maquiavel de que "todo homem é mau por natureza". Considero muito provável que John Harding compartilhe desta teoria, já que, embora não a defenda, explicita essa condição nas páginas finais da sua obra.

7 de fev. de 2011

Sons noturnos

Inspirada numa noite de insônia

Mais um dia exaustivo finda.
Chega a noite.
As luzes cessam.
Nossos corpos repousam sobre a cama.
Tudo é silêncio.
O último canto de um pássaro e o aroma do corpo ao meu lado afloram meus sentidos.
O sono não chega.
O compasso do relógio dita as horas.
Intermináveis horas.
Ouço o ritmico som da respiração.
O arfar dos pulmões.
Um leve ressonar.
A fricção da pele no lençol.
O discreto som das articulações, produzido a cada movimento inconsciente.
E o sono não chega.
Penso em me levantar, mas os sons noturnos me tranquilizam e permaneço inerte.
Faz calor.
Ligo o ventilador, mas o barulho do motor interfere na sinfonia com a qual meus ouvidos se deleitam.
Desligo.
Volto a acompanhar o compasso do relógio.
Ouço um resmungo. Me aprumo. Silêncio novamente.
Deve ter sido sonho.
Meu corpo se banha em suor.
Finalmente levanto e abro a janela.
Brisa boa a da madrugada.
Volto à posição inicial.
A brisa traz consigo os demais sons da noite.
Um latido longínquo. Um piar. Um coaxar.
Sinto-me plena. Plena de vida. Plena de felicidade. Plena de paz.
Um último pensamento me assola, antes que eu adormeça.
"Ao clarear do dia, os sons noturnos, assim como as boas sensações por ele despertadas, cederão lugar às cacofonias do dia.
Buzina, motor de carro, de moto, campainha, telefone. Que bom seria se os sons nunca mudassem.
Mas a noite há de chegar mais uma vez e a tranquilidade há de me alcançar novamente".

1 de fev. de 2011

Um adolescente em minha vida

Inspirada numa conversa


 
Me lembro da minha adolescência, que não foi nada fácil.
Ser adolescente é uma das fases mais complicadas da vida, mas descubro agora que, mais difícil do que a própria adolescência é ser mãe de adolescente.
O humor varia muito, assim como a disposição.
Amor e ódio andam lado a lado durante todo o dia.
Todos os fatos, até os mais corriqueiros, tomam proporções gigantescas.
O corpo muda.
O temperamento muda.
A voz muda.
Os gostos mudam.
A mudança atinge tudo e todos que estão às voltas com esse prospecto de adulto.
Tudo é culpa da mãe. A chuva que cai; o sol que queima; o tempo que não passa; o giz que acabou; o jogo perdido; o chulé; a unha comida; a energia que acaba; o computador que trava; e assim por diante.
Complicado.
Mas, no meio de todas essas contradições, de toda birra e esquisitices, minha vareta em forma de gente, me pede para colocá-lo na cama para dormir, me enlaça o pescoço e, quase totalmente tomado pelo sono, me beija e diz que me ama.
Aí descomplica tudo e meu adolescente volta a ser meu bebê.

31 de jan. de 2011

Sete coisas sobre mim


Inspirada num prêmio


Meu namorido Fábio Shiraga me mandou um desafio, que recebeu do talentosíssimo Luis Capucho, que consiste em linkar a pessoa que te enviou, listar sete coisas sobre você mesmo e indicar mais alguém para responder o meme.

1 - Quando era adolescente, dormia com um esparadrapo colado, arrebitando o nariz, com medo de ficar nariguda. Não deu certo.

2 - Sempre ouvi dizer que, se deixasse o sapato virado, a mãe morria. Sou tão eficiente em desvirá-los que minha mãe continua viva até hoje.

3 - Quando era mais nova, passava uma mistureba de pepino com pasta de dente e sabonete líquido no rosto, para não ter espinhas. Meu irmão ria de mim, fazia piadas e chegou até a me fotografar com o treco na cara, mas deu certo. Nunca tive espinhas. Meu irmão também não.

4 - Sempre me diziam que quem mexe com fogo faz xixi na cama. Só fiz xixi na cama até o final da primeira infância. Minha irmã, mesmo não sendo fumante, sempre carregava um isqueiro na bolsa para acender o cigarro pros outros. Fez xixi na cama até os 23 anos.

5 - Desde pequena acreditava que sempre que entrava em um lugar, ou ia sair da cama, tinha que ser primeiro com o pé direito, para dar sorte. Aí, fraturei a bacia direita e por um ano só usei o pé esquerdo. Mesmo assim, a sorte não me abandonou.

6 - Tenho um quê com números, embora seja péssima em matemática. Toda placa de carro, por exemplo, me obriga a fazer contas malucas de modo que o resultado final seja 4. Também tenho mania de contar azulejos e franzidos de cortina. Coisa do meu lado autista, eu acho.

7 - Até o início da fase adulta, eu tampava o nariz para afundar a cabeça na água. Minha querida Netian foi quem me ensinou a soltar o ar pelo nariz embaixo d'água para a água não entrar. Ela tinha vergonha de ir comigo pra piscina, mas agradeço de todo coração mesmo assim.

Agora eu passo a bola pra Lizandra, pra Raíssa e pro Léo.

3 de dez. de 2010

Se meu fusca falasse

Inspirada numa lição

Ela estava eufórica. Havia comprado seu primeiro carro sem ajuda de pai, irmão etc.
Era uma vitória. Ganhara sua liberdade de ir e vir.
Andava no seu fusca branco, ano 68, semi-conservado, como se pilotasse um Porsche Carrera GT, eleito o carro do ano na época. Sentia o mundo a seus pés e se orgulhava de seu possante.
Vivia tempos de bonança.
Um aumento salarial possibilitara que colocasse o filho - que chegara em idade primária - em um bom colégio particular.
Fazia questão de buscá-lo na porta da escola com o vidro aberto, cabelos ao vento. O rádio sempre sintonizado em uma rádio que só tocava MPB. Exibia o seu bom gosto musical assim como exibia sua caranga.
Seu filho, sempre muito falante e alegre, portava-se cabisbaixo e amuado na saída da escola.
Preocupada que ele tivesse tendo problemas na escola, questionou-o e, veementemente, ele negou qualquer intercorrência.
Contudo, aquele comportamento não habitual repetia-se dia após dia e ela decidiu outra abordagem.
- Abra seu coração comigo, meu filho. O que está te incomodando?
Com um profundo suspiro ele revelou que sentia vergonha do fusca da mãe e pediu que ela não mais estacionasse na porta da escola, que parasse na rua de trás.
Ela, apesar de entender o sentimento do filho - afinal, também já havia sido criança e seu pai tivera uma "Variant" laranja -, ficou consternada com a aflição e, pela primeira vez, duvidou ter sido uma boa idéia colocar o menino em uma escola particular.
Será que ele havia desaprendido tudo o que ela havia ensinado sobre a irrelevância dos bens materiais?
Sem muito pensar sentenciou:
- Há coisas que causam muito mais vergonha do que um Fusca. Mas, farei o que me pede.
No dia seguinte, chegou um pouco antes do horário da saída estacionou o carro na rua transversal e foi, caminhando serenamente, esperá-lo na porta da escola.
Quem já viu uma saída de colégio sabe o tumulto e a algazarra que se formamquando o sino toca. É um embarque e desembarque constante em carros, vans e ônibus. Mães aglomeradas tentando reconhecer seus rebentos dentre tantas cabecinhas uniformizadas.
No meio dessa balbúrdia ela levanta os braços e com movimentos de chamamento se põe a cantar, elevando a voz acima da cacofonia "Vem neném, vem neném, vem neném, vem!" Algumas mães a olham com espanto e ela continua a cantoria, sempre o mesmo refrão, cada vez acrescido de mais um movimento de dança, como palmas e pulinhos, até que avista o filho e parte para o inevitável grand finale mãos nos joelhos e roboladinha.
O menino a olha espantado e pergunta porque aquilo e ela simplesmente responde que há coisas mais embaraçosas que um carro velho.
Ela continua a cantar e a dançar durante todo o caminho até o carro e, perplexo, o filho faz voto de silêncio.
Por mais quatro dias a cena se repete, até que o menino pede que a mãe volte a pegá-lo na porta de escola, de Fusca, pois seus colegas de classe o indagaram sobre o estranho comportamento dela e ele lhes contou a história, fazendo seus amigos rirem e desejarem que suas próprias mães lhes aplicassem castigos tão engraçados assim.
O mais importante foi que o garoto entendeu que aquele não se tratava de um castigo, mas que a mãe lhe dera uma lição, não apenas sobre materialismo, mas sobre a péssima tendência que temos a ver as coisas apenas pelo ângulo do que o mundo capitalista valoriza e nos esquecemos de pensar inocentemente como crianças, até mesmo quando ainda somos crianças.

22 de nov. de 2010

Invisível

Inspirada numa capa

Toda livraria que se preze, precisa ter uma cafeteria ao lado, pois há poucas coisas que combinem tão bem quanto um bom livro e um bom café. Talvez cerveja gelada e panceta do Mineiro seja outro bom exemplo combinatório, mas em outro contexto.
Pois bem, reambientando esta história, estava eu com a gula despertada pelo aroma inebriante da cafeteria vizinha, quando adentrei à Livraria Laselva apenas para olhar e então deparei-me com a suculenta capa cor de creme de Incrível, romance de Paul Auster.
Café com chantilly. Minha boca aguou.
Papel lombado, apetitoso. Título em baixo relevo. Eu precisava morder aquela capa.
Fui verificar o preço num daqueles aparelhos que lêem o código de barras. Estava quebrado. Fiquei sem ação. Por sorte, uma simpática atendente veio ao meu encontro e socorreu-me.
Consultou o preço no caixa enquanto eu babava e anunciou: R$ 49,90.
"Que chantilly caro, pensei". Chorei um desconto a vista e consegui arrematar a porção de creme por 39 reais.
Ela entregou-me um exemplar embalado.
Não apenas o plástico separava minha arcada dentária daquele item apetitoso, mas toda uma cadeia de convenções sociais e, mesmo que a contragosto - e também para não envergonhar o Fábio e o Léo que estavam comigo, confesso - contive-me.
Quando chegamos em casa, não resisti mais. Abri com sofreguidão a embalagem e cravei os dentes naquele objeto.
Salivante. Eu estava salivando e foi inebriante saciar o tosco desejo oral naquele instante e algo inevitável aconteceu. O livro preso em minha boca, acariciado pelos meus dentes, soltou aquele cheiro de papel novo e meu olfato despertou a minha fome de histórias.
Foi como quando a gente sente cheiro de pão quentinho e café coado.
Entreguei-me à leitura. Grata surpresa.
Tenho, desde então, sorvido a escrita de Auster em pequenas doses diárias, de modo a saboreá-la o máximo possível. Embora esteja gostando muito da história, da narrativa sobre um jovem estudante de literatura, às voltas com a luxúria, o passado, o idealismo, referências literárias e históricas e até um possível incesto, existe a possibilidade de que, no fim das contas, o enredo não deixe nenhuma marca em mim, mas, a minha marca, a marca da devoradora, sempre estará impressa na capa deste livro.

17 de set. de 2010

A vida íntima de Laura

Inspirada numa contação de histórias

Quando o Léo, meu primogênito, era pequeno - ele prefere que eu diga "quando era criança", pois no auge dos seus 12 anos, já se considera um adolescente, quase adulto, embora nunca cresça para mim... - eu lia para ele todas as noites, na esperança de despertar o gosto pela leitura nele.
Infelizmente, não funcionou muito. Ele não gosta de ler. Mas adora histórias. Especialmente se eu lê-las em voz alta para ele. Enfim, mas dentre tantas lidas, a minha preferida que passou a ser uma das preferidas dele também, foi resgatada do fundo do armário: A vida íntima de Laura.
Essa obra infantil de Clarice Lispector - que escreveu 5 livros infantis: O mistério do coelho pensante (1967); A mulher que matou os peixes (1968); A vida íntima de Laura (1974); e dois publicados postumamente, Quase de verdade (1978) e Como nasceram as estrelas (1987) - é tão maravilhosa que foi objeto de análise da minha monografia, além de ser material fantástico para trabalhar em sala de aula.
Pois bem, como eu vinha dizendo, tentando liberar espaço no armário para acomodar os presentes do Chicão, encontrei o livro - na verdade a versão em e-book da obra, a qual imprimi - e me emocionei.
Peguei o Chico em um braço e "Laura" no outro e, caminhando pela casa, fui narrando os pensamentozinhos e sentimentozinhos da personagem principal. Que delícia. O Francisco prestou atenção o tempo todo e, mesmo não tendo entendido bulhufas, tenho certeza de que o ritmo do texto clariciano o agradou.
Mas, você deve se perguntar, afinal, quem é Laura?
Primeiro é necessário explicar o que é vida íntima...
Segundo a própria Clarice, vida íntima é aquilo que acontece na casa da gente e não devemos contar para ninguém.
E, mesmo assim, ao longo das deliciosas páginas, Clarice vai nos contando tudo sobre a vida íntima da Laura.
Agora, quanto a quem é Laura, te dou um beijo na testa se adivinhar!!!
Disponibilizarei o e-book no meu 4shared.
Faça o download e descubra o mistério. É diversão de ótima qualidade garantida!

26 de ago. de 2010

1 mês

Inspirada num olhar e num beijo


O Francisco engorda na mesma proporção com que emagreço.
O Francisco cresce na mesma proporção com que minhas medidas diminuem.
O Francisco não dorme na mesma proporção com que minhas olheiras aumentam.

Mas, há um momento, aquele momento, em que seu olhar vem na direção do meu e seus lábios tocam minha pele, e então toda a exaustão é dissipada e a felicidade inunda todo meu ser e tudo que nos cerca...

15 de jul. de 2010

Maria Ruth


Inspirada numa redescoberta

Na adolescência, naquela fase em que não sabemos qual o nosso lugar e função no mundo, muitos se perdem em sexo, drogas e rock 'n roll e fogem para um mundo só deles.
Comigo não foi diferente, mas, diferente de muitos colegas, eu fugia para dentro dos livros.
Ficar lendo por horas e horas era muito mais fácil do que encarar a vida.
Um hábito saudável, certamente, mas, por vezes naquela época, minha leitura era mecânica. Eu era uma devoradora de histórias em quantidade e não qualidade, uma vez que nem todas eu internalizava.
Fui criada com quatro tias leitoras e, por essa razão, tive acesso aos mais variados títulos, desde as novelas românticas pseudo-pornográficas-literárias de séries como "Sabrina" e "Júlia", até a clássicos como "A Divina comédia" e "O morro dos ventos uivantes".
No turbilhão dessas leituras, no entanto, sinto que deixei escapar uma história, no mínimo, interessantíssima: "Maria Ruth", autobiografia de Ruth Escobar, que guardo até hoje.
Assistindo à série de homenagens às mulheres que a TV Cultura fez há algumas semanas, deliciei-me com uma reportagem sobre Ruth Escobar, com entrevistas com a própria e depoimento de grandes nomes das Artes Brasileiras.
Essa mulher, politicamente engajada, culturalmente produtiva, emocionalmente espancada,  sexualmente cerceada, representou o feminismo brasileiro nas mais diferentes frentes.
Ao lançar sua autobiografia "Maria Ruth", rompeu com o silêncio do cinto de castidade e inspirou algumas mulheres a romperem com seus cilícios também.
É por essas e outras que, em breve, pretendo redescobrir Ruth Escobar e todas suas rupturas.

24 de jun. de 2010

Leite derramado

Inspirada num presente

Três dias. Demorei três dias para dar cabo da leitura de "Leite derramado", romance de Chico Buarque.
O livro foi presente do meu querido companheiro, Fábio Shiraga, a quem agradeço imensamente.
Cabe ressaltar que, no início do namoro, estávamos - Fábio e eu -, certa vez, ouvindo música e, às tantas, ele me indagou:
- Fá, o quanto você gosta do Chico Buarque?
De pronto, respondi:
- O suficiente para querer um filho chamado Francisco.
Quando, tempos depois eu engravidei e descobrimos que era menino, escolhemos o nome Francisco, sem nos lembrarmos dessa conversa, mas, há uns dois meses, lembramo-nos desse diálogo e agora, ao terminar a leitura desse instigante livro de Chico Buarque, só me resta afirmar que meu filho terá o nome de um gênio das letras.
Vontando à obra... A primeira vista pensa-se que o livro filosofará sobre a velha dita de "não chorar sobre o leite derramado". Não é bem isso.
O monólogo - sim, toda a história é um monólogo - conta a trajetória de Eulálio, um centenário, que passou pelas mais diversas situações - trágicas e cômicas - ao longo da vida e que as conta em voz alta, num leito de hospital.
A narrativa não é linear. A temporalidade se atropela e, aos poucos, vamos descobrindo o que há de verdade ou invenção no relato. Talvez chamar de invenção não seja apropriado, já que, durante a própria história, o narrador pede escusas porque a memória, às vezes, tende a enganá-lo.
Além do enredo bem amarrado, a narração faz um percurso corretíssimo sobre a história política brasileira, bem como sobre a sociedade carioca do início do século passado.
Ora se ri. Outras, se chora. Dúvidas surgem. Teorias se concretizam e Chico Buarque mostra que, na literatura, assim como na música, é um exímio manipulador de palavras.
Quanto ao leite derramado, há sim de se chorar sobre ele, quando o mesmo tiver que ser dispensado em uma pia de banheiro, por uma mãe que não pode mais amamentar.

1 de jun. de 2010

Flores de Plástico

Inspirada numa dedicatória

Pois é. Nem tudo são flores no reino da Dinamarca.
Uso desse velho ditado para me reportar às pequenas intempéreis do dia-a-dia, às gasturas, às rusgas que surgem dos relacionamentos interpessoais, sejam eles fraternos ou amorosos.
Há algum tempo ganhei de uma velha amiga um pequeno livro de pensamentos, mas nunca havia dedicado atenção a ele até esta tarde.
Tarde fria, monótona e como diz outro velho ditado, "mente ociosa é oficina do diabo", a minha mente divagou, não pelos caminhos por onde sempre divaga, mas por um terreno pedregoso e perigoso, tal qual o que a mente de Dom Quixote divagava e, assim como ele, transformei, por algumas horas, moinhos em gigantes inimigos, amigos em rivais, pessoas amadas em conspiradores.
Por sorte, mas não acaso, o pequeno livro, literalmente, caiu no meu colo do alto da prateleira e, apesar de a primeira reação ter sido a de atirá-lo longe, vislumbrei algo escrito na contracapa e reli a dedicatória que a querida amiga me fizera.
"Assim que vi o título deste livro, logo pensei em você. Não porque quero que você aprenda algo novo, não, não é isso! Quero que você resgate tudo isso que já existe aí dentro, original de fábrica! O meu objetivo é apoiá-la a ser quem sempre foi: esse ser extraordinário e fora do comum e dizer que é assim que amamos você!"
Desnecessário dizer que lágrimas banharam meu rosto e que meus pesamentos nada edificantes se esvaneceram.
Senti-me patética.
Avidamente devorei alguns capítulos do livro e encontrei até mesmo as soluções para os infundados pensamentos que haviam me assolado momentos antes.
Me dei conta de que, mesmo que alguns dos meus delírios viessem a tomar forma, todos seriam facilmente resolvidos. Bastava eu querer.
Mas, mais do que isso, percebi que, se eu temo tanto as situações que a minha mente demente projetou, depende de mim, e exclusivamente de mim, tomar as atitudes preventivas para que os moinhos de vento não se transformem em inimigos gigantes!
Além disso, as flores de plástico não são tão ruins pois, podem não ter cheiro, mas também nunca morrem.

6 de abr. de 2010

94 A

Inspirada numa aquisição

"Quem casa, quer casa", já dizia o velho ditado.
Após meses de procura, divergências, contas, planos, sonhos, desatinos e decepções, foi em um final de semana chuvoso, porém quente, que enfrentaram o cansaço, a chuva, a fome, a ansiedade e a calculadora.
Depois de horas de expectativa, receberam o aval positivo e assinaram os papéis.
Foram parabenizados com efusivos apertos de mão e abraços apertados.
Um urro e um beijo, selaram a comemoração entre eles.
A parte mais fácil estava finalizada.
Agora enfrentariam vários leões por dia para vencerem a fase mais difícil: construir um lar na casa recém adquirida.

9 de mar. de 2010

A primeira vez de um homem


Inspirada numa emoção

Há homens que amam a si mesmos.
Há outros que amam mulheres.
Há aqueles que amam outros homens.
Ou que não amam ninguém.
Há os que amam esportes.
Ou os que amam música, filmes, artes.
Há homens que são amados.
Outros são abandonados.
Mas também há homens que abandonam.
Há homens que adoram comida.
Outros, preferem bebida.
Mas, hoje, o assunto é um pequeno homem que ama carros...

Domingo nublado, tempinho frio.
O pequeno homem e o homem amado saem para dar uma volta.
- Posso dirigir?
- Você já dirigiu antes?
- Sou craque no jogo de corrida.
- Mas carro de verdade é diferente.
- Eu sei, mas já dirigi no colo do meu pai.
- Tá bom, deixo você dirigir lá no condomínio da sua tia, porque lá não tem perigo.

O banco é colocado para frente. O pequeno homem alcança os pedais sem problemas.
Cinto de segurança. Câmbio em ponto morto. A partida é dada.
O carro engasga. Morre.

- Não fica nervoso, vamos de novo.
Dessa vez, com poucos trancos, o carro começa a andar ligeiramente.

- Ai meu Deus. Que legal!
- Troca a marcha.
- Ai meu Deus. Tenho medo de trocar a marcha.
- Fique calmo que estou do seu lado.
- Acho que por hoje tá bom. Posso tentar de novo outro dia?
- Claro que pode. Você foi muito bem. Parabéns.

O pequeno homem ri.
Os olhos estão brilhando.
As mãos trêmulas transpiram.
O sorriso largo é contagiante.

Emocionada, a mãe aplaude.
Havia presenciado a primeira vez do seu pequeno homem e partilhado da sua emoção.

8 de mar. de 2010

FRANCISCO

Inspirada numa novidade

A maternidade me deixa mais sensível, nostálgica, carinhosa e com sentimentos e lembranças inconstantes.
Nesse emaranhado de emoções, lembrei-me de um exercício de português que fazíamos na escola, com o objetivo de ampliar e enriquecer o vocabulário: acróstico dos nomes.
É engraçado como há anos não me proponho a um exercício desses.
Em geral, o fazíamos com o nome de amigas(os), preenchendo cada letra do nome da pessoa com um adjetivo bajulador.
Era divertido.
Como acabamos de saber o sexo do nosso bebê, resolvi fazer o acróstico do seu nome, não com adjetivos, mas com a tentativa de estrututar um pouco da sua própria história. Francisco, o personagem que roubou a cena nesse dia internacional da mulher!

F ilho da Fá e do Fá

R iqueza do vô Helcio e da vó Jurema

A filhado do tio Ju e da tia Alê

N eto primogênito do vô Nelson e da vó Irene

C riança muito amada desde o ventre

I rmão do Léo

S obrinho do Marcelo, do Júnior, do Hugo e da Juliana

C o-sobrinho da Cinthia, da Alessandra e do Guerreiro

O rgulho da família e amigos


Chico, seja recebido com muito amor, carinho e boas energias por todos!

3 de mar. de 2010

Crônica de duas versões para uma mesma história


Inspirada numa proposta

A ansiedade e a angustia me consumiam desde às 6h30.
O Fábio dormia tranqüilamente ao meu lado na cama. Fiquei olhando as linhas do seu rosto, acompanhando sua respiração e imaginando como ele reagiria.
Às nove ele abriu olhos, me desejou bom dia e com um sorriso me perguntou:
- Fez xixi?
- Fiz - respondi sucintamente.
- E aí? – sentou-se na cama ao me inquirir.
Senti-me desconcertada. Que espécie de questionamento era aquele? Palavras tão ínfimas para questionar algo tão grandioso...
- E aí nada. – foi minha resposta automática.
Ele suspirou algo entre aliviado e inquieto e reinqueriu:
- Então deu negativo?
- Não. Deu positivo – respondi cabisbaixa.
- Deixa eu ver.
Levantei e peguei o exame de farmácia que eu havia guardado na bolsa.
Expliquei que, de acordo com as instruções, as duas listrinhas rosa significavam positivo.
Ele ficou olhando para o tubinho com o olhar perdido, depois me beijou nos lábios e voltou a deitar. Disse que se sentia tonto.
Eu ri. Nervosamente ri.
Estávamos em Serra Negra, na casa da mãe dele aproveitando o feriadão.
Ele foi ficando pálido.
Naquele momento, percebi a fragilidade dele e inspirando longamente, enchi-me de forças para iniciar aquela que julguei seria a conversa mais séria e densa que teríamos.
- Não se preocupe. Terei esse filho sozinha. Você tem seus planos, seus sonhos e metas e eu já abdiquei dos meus antes, posso muito bem protela-los mais uma vez. Sua vida não precisa mudar em nada.
Naquele momento descobri que a criatura ao meu lado era um homem e não um menino. Ele chorou. Reafirmou seu amor por mim e pelo bebê e disse que não existia aquilo de ele ou eu. Que éramos nós. Que aquele seria nosso filho. Que faríamos nossos planos, nossas metas. Que aquela era a nossa vida.
Um beijo selou nosso compromisso de nos tornarmos um.
Eu estava em pânico. Ele me confortava, claro, mas o medo de decepcionar meus pais mais uma vez me consumia.
Por decisão-imposição minha, combinamos que só contaríamos depois do Natal.
Passei por uma consulta médica naquela semana e meu ginecologista confirmou a gravidez, mas, por garantia, pediu o exame de sangue.
Decidi protelar o máximo possível e só realizar o teste para contar aos nossos pais. Faltavam uns 20 dias pro Natal, mas o Fábio já estava tendo crises de ansiedade e perdendo o sono.
Comecei a ter enjôos e ele, tomando as rédeas da situação me comunicou:
- Sexta vamos contar para todo mundo da nossa gravidez.
Nossa Gravidez. Aquela idéia de que ele estava grávido junto comigo me entorpeceu e concordei com sua decisão porque não tinha argumentos, nem vontade, para discordar.
E assim se fez.
O Fábio tem uma versão um tantinho mais romantizada e dramática que a minha para o início da nossa história familiar, mas, em sumas palavras, o temor, a emoção, a alegria e o torpor foram os mesmos.

25 de fev. de 2010

O grande Mentecapto

Inspirada numa leitura

Terminei a leitura desta obra há algum tempo, mas, a falta de tempo impossibilitou que eu comentasse sobre este grande livro antes.
O grande Mentecapto, de Fernando Sabino, narra as desventuras de Geraldo Viramundo pelas bandas de Minas Gerais e é um convite ao despertar do espírito aventureiro infantil e adolescente, que há em cada um de nós.
Sabino brinda o leitor com sua ironia, de quem conhece a fundo as histórias de Minas, os trejeitos e os maneirismos do seu povo, além da inesquecível culinária mineira.
Brincando com personagens verídicos, Sabino nos premia com citações magníficas, em mais de um idioma e nos leva a repensar sobre nossas atitudes diante da rotina do dia-a-dia e das misérias particulares e alheias.
O Grande Mentecapto conta as histórias de Geraldo Viramundo, uma criança feliz e imaginativa que acredita poder fazer o trem parar fora de sua estação.
A partir daí sua vida muda completamente de rumo transformando o mentecapto em um nômade, andarilho, herói, sábio.
O livro vale a leitura, pois a escrita de Sabino é ágil e o mentecapto é apaixonante, contudo, tive a impressão de que, no último capítulo, o autor havia já se cansado da história ou do seu personagem e a fluência do livro é interrompida com um final seco que não condiz com a exuberância literária do livro todo.
Mas é uma história que merece ser devorada e, talvez, abandonada no penúltimo capítulo, de forma que o leitor possa criar seu próprio final.