3 de jan. de 2009

A devoradora de histórias

História inspirada numa menina que roubava livros


Sempre imagino minha vida como sendo uma história contada e não vivida.
Ontem terminei a leitura de “A menina que roubava livros”, mas, para que entenda a relevância dessa constatação, preciso voltar um pouco.
Fazia tempo que eu ouvia falar sobre esse livro. Ouvia falar bem, nada sobre a história, mas ouvia falar bem do livro. Porém, nunca tive o impulso ou a oportunidade real de adquiri-lo. Havia outros títulos em pauta que também me seduziam e sempre optava por um desses outros. Até que veio a pergunta:
- Mãe, que livro você queria ler, mas ainda não tem?
Inúmeros nomes fervilhavam em minha mente. Livros que eu precisava. Mas, tive um branco e só me veio à boca “A menina que roubava livros”.
Faltava uma semana para o Natal.
No dia 25/12, a roubadora de livros chegou.



Minha primeira reação foi de alegria, mas não genuína. Um bichinho interno me dizia “por que não escolheu outro, algum dos clássicos?”. Mas, uma voz externa me consolou:
- É um dos melhores livros que já li. Demorei seis meses para lê-lo, porque a leitura é difícil, te faz refletir e, durante o dia, você olha pra alguma coisa e, na hora, faz a relação: é disso que ele (o livro) estava falando...
Essa observação despertou a devoradora de histórias dentro de mim. Ela estava dormindo há quase um ano e mal podia esperar para estar a sós com o livro e devorá-lo. Minha expectativa era altíssima, mas nem sempre isso é bom, porque a realidade nunca condiz com minhas tolas expectativas.
Iniciei a leitura na noite do dia 26 pela narrativa em si, deixando a leitura da capa, contra-capa e orelha para o dia seguinte e foi aí que analisei o livro como um todo e fiquei genuinamente feliz. Minhas considerações e reflexões resultantes do primeiro dia de leitura estavam no caminho certo, pois, no verso do livro tinha uma chamada que eu não notei antes:
“Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler”.
A morte tem sido uma sombra em minha vida, mas esse não é o tema dessa história, o assunto é a fome com que devorei esse livro.
Eu o carregava para todos os lugares, mesmo para aqueles em que não poderia abri-lo, mas lá ficava ele, em minha bolsa, ao alcance de minha mão e, só de tocá-lo, meu estômago parava de roncar.
Leitura difícil - como previra a consoladora. Palavras em alemão que eu não conhecia, mas as lia em voz alta dentro da minha cabeça e suas pronuncias, mesmo que equivocadas, para sempre estarão certas para mim.
O poder das palavras. É disso que trata o livro e foi isso que mais me encantou, porque não há lugar melhor para se encontrar palavras que nos livros. Os livros. Um livro salvou a vida de uma menina que roubava livros. Um livro salvou a minha vida. Não esse livro, mas um livro degustado muitos, muitos anos antes e que me transformou numa devoradora de livros.
Voltando à roubadora, no oitavo dia aconteceu algo inédito: não toquei no livro o dia todo.
Minto. Desculpe-me. Toquei-o pela manhã ao tirá-lo de debaixo do travesseiro para arrumar a cama e colocá-lo sobre a cômoda. Mas não o abri.
Nesse dia evitei a menina que roubava livros com todas as minhas forças e a razão era simples: estava muito próxima do final e sabia que estava muito perto de encontrar meu maior medo escondido na página seguinte: a moral da história.
Relutei. Tentei assistir outras histórias, ouvir outras histórias, ler outras histórias. Fiquei exausta. Deitei em minha cama. Apaguei a luz. No escuro silêncio da noite ouvi a voz da sombra:
“Venha comigo que lhe conto uma história. Vou lhe mostrar uma coisa”.
Então, ela me contou. Por duas horas e sessenta e três páginas, ela me contou o restante daquela história, mas, quando foi me mostrar aquela coisa, já não pude mais enxergá-la. As lágrimas haviam embaçado minha vista.
Se eu tivesse visto a moral da história dizendo que não devemos deixar passar a oportunidade de acarinharmos e dizermos que amamos às pessoas que amamos, provavelmente, agora eu estaria me sentindo impelida a me deixar escorregar nessas sentimentalidades.
Sorte a minha. Não vi nada disso, portanto, não me sinto culpada em guardar tudo para quando a sombra vier buscar um ou outro.
Terá que ser assim porque sempre imagino minha vida como sendo uma história contada e não vivida.

15 comentários:

  1. Por que histórias e não estórias já que são ficção?

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  2. Obrigada pela visita ao meu blog e sua pergunta é muito interessante.
    O uso de "história" é uma preferência minha.
    Embora eu tenha aprendido que "estória" não existe, vejo, comumente, seu uso exatamente nesse sentido que você apontou: ficcional.
    Fiz agora uma breve pesquisa sobre o assunto e eis o que encontrei:
    "Estória é um neologismo proposto por João Ribeiro em 1919, para designar a narrativa popular.
    O termo acabou por não ter uma aceitação generalizada, não figurando nos dicionários portugueses e apenas em alguns brasileiros. Apesar de ter sido usada na linguagem coloquial, o termo nunca figurou na norma culta.
    O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa Caldas Aulete afirma que a palavra foi proposta, mas deve ser usada a forma história."

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  3. Belíssima narração amada!
    Além de bem escrita, conseguiu transmitir muita emoção em cada palavra =)
    Beijos,
    Bee.

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  4. Estou sem palavras, mulher. Adorei sua História e como você a conta...Morri de rir com isso:"lá ficava ele, em minha bolsa, ao alcance de minha mão e, só de tocá-lo, meu estômago parava de roncar."...Fiquei imaginando a cena: você desesperada de fome e o livro de alimentando..Magnífica a descrição!!! Ainda que essa só foi UMA citação, ainda resta a história inteira..rsrsr...Estou me sentindo suspeita pra te elogiar tanto, porque te admiro muito, Fá!
    Parabéns! - Acabo de concluir uma coisa..sempre adimiramos algo que não sabemos ou temos dificuldade ao executar...espero então, que não entenda como "pagação de pau" o que eu te escrevi e aceite como um elogio mais do que sincero!

    super beijo com gosto de macarronada

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  5. gostei da menininha fá.

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  6. Muito bom, nêga!!!

    Realmente, impressionante!! Todos os textos! Você leva mesmo jeito pra coisa!!
    Eu tava precisando ler algo tão bom assim, faz tempo que não leio; tudo o que eu vejo ultimamente é fralda suja (apesar de que papel com bosta dentro é uma síntese da minha biblioteca particular)


    Bjoca.

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  7. Adorei seu texto! Parabéns!
    É muito bom saber que não sou a unica a sentir essa "fome insaciável".
    Beijos

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  8. Fá, amei seu blog! Eu não leio muito, não tenho costume , mas gostaria de ser uma devoradora de livros tb, compro muitos mas não leio , eles ficam lá enfeitando a minha comoda. Eu queria gostar de ler. A menina que roubava livros eu comprei faz um tempão, e ele está lá , já comecei 3 vezes mas não terminei, e agora vc me instigou, quem sabe eu termino!!
    Muitos beijos! Fica com Deus!
    Maisa

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  9. Oi Fá!!!!

    Muito legal a sua ideia de fazer um blog para contar suas histórias. Uma vez criei um também mas não consegui levar adiante. Li todos os textos que você escreveu e em alguns eu me emocionei, em outros eu ri e até chorei (sou chorão mesmo). Adorei a historia da TPM, muuito legal. Espero que você não perca o entusiasmo como eu perdi porque vou ajudar a divulgar o blog tá!?!?!?

    Um grande beijo.
    Te adoro.

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  10. Oi minha querida amiga distante, displicente e desnaturada(é verdade), como vai?
    Tô escrevendo porque acho que é o unico jeito de ter contato com vc né, uma vez que vc devora a leitura...
    Mas ainda bem que vc é assim, ou está assim, não sei direito; mas eu dei uma espiada nas suas escrivinhações e achei o máximo, não tive tempo de ler muita coisa, mas o pouco que li gostei muito... Gostei tb da sua resposta pro sr. mestre, doutor, phd em português sobre como escrever historia ou estoria, é impressionante como tem gente que nao tem oque fazer mesmo né... mas no fundo pode ser até benéfico isso, assim vc fica bem atenta aos erros que as vezes escapam.
    Abreviando, vc mais uma vez está de parabéns, pela iniciativa.
    Amo vc do fundo do meu coração amiga!!! Tudo de bom e continue escrevendo que eu vou lendo..
    Beijo enorme

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  11. Mulheres

    "Certo dia parei para observar as mulheres e só pude concluir uma coisa: elas não são humanas. São espiãs. Espiãs de Deus, disfarçadas entre nós.

    Pare para refletir sobre o sexto-sentido.
    Alguém duvida de que ele exista?

    E como explicar que ela saiba exatamente qual mulher, entre as presentes, em uma reunião, seja aquela que dá em cima de você?

    E quando ela antecipa que alguém tem algo contra você, que alguém está ficando doente ou que você quer terminar o relacionamento?

    E quando ela diz que vai fazer frio e manda você levar um casaco? Rio de Janeiro, 40 graus, você vai pegar um avião pra São Paulo. Só meia-hora de vôo. Ela fala pra você levar um casaco, porque "vai fazer frio". Você não leva. O que acontece?
    O avião fica preso no tráfego, em terra, por quase duas horas, depois que você já entrou, antes de decolar. O ar condicionado chega a pingar gelo de tanto frio que faz lá dentro!
    "Leve um sapato extra na mala, querido.
    Vai que você pisa numa poça..."
    Se você não levar o "sapato extra", meu amigo, leve dinheiro extra para comprar outro. Pois o seu estará, sem dúvida, molhado...

    O sexto-sentido não faz sentido!

    É a comunicação direta com Deus!
    Assim é muito fácil...
    As mulheres são mães!

    E preparam, literalmente, gente dentro de si.
    Será que Deus confiaria tamanha responsabilidade a um reles mortal?

    E não satisfeitas em ensinar a vida elas insistem em ensinar a vivê-la, de forma íntegra, oferecendo amor incondicional e disponibilidade integral.
    Fala-se em "praga de mãe", "amor de mãe", "coração de mãe"...

    Tudo isso é meio mágico...
    Talvez Ele tenha instalado o dispositivo "coração de mãe" nos "anjos da guarda" de Seus filhos (que, aliás, foram criados à Sua imagem e semelhança).

    As mulheres choram. Ou vazam? Ou extravazam?

    Homens também choram, mas é um choro diferente. As lágrimas das mulheres têm um não sei quê que não quer chorar, um não sei quê de fragilidade, um não sei quê de amor, um não sei quê de tempero divino, que tem um efeito devastador sobre os homens...

    É choro feminino. É choro de mulher...

    Já viram como as mulheres conversam com os olhos?

    Elas conseguem pedir uma à outra para mudar de assunto com apenas um olhar.
    Elas fazem um comentário sarcástico com outro olhar.
    E apontam uma terceira pessoa com outro olhar.
    Quantos tipos de olhar existem?

    Elas conhecem todos...

    Parece que freqüentam escolas diferentes das que freqüentam os homens!
    E é com um desses milhões de olhares que elas enfeitiçam os homens.

    EN-FEI-TI-ÇAM !

    E tem mais! No tocante às profissões, por que se concentram nas áreas de Humanas?
    Para estudar os homens, é claro!
    Embora algumas disfarcem e estudem Exatas...

    Nem mesmo Freud se arriscou a adentrar nessa seara. Ele, que estudou, como poucos, o comportamento humano, disse que a mulher era "um continente obscuro".
    Quer evidência maior do que essa?
    Qualquer um que ama se aproxima de Deus.
    E com as mulheres também é assim.

    O amor as leva para perto dEle, já que Ele é o próprio amor. Por isso dizem "estar nas nuvens", quando apaixonadas.
    É sabido que as mulheres confundem sexo e amor.
    E isso seria uma falha, se não obrigasse os homens a uma atitude mais sensível e respeitosa com a própria vida.
    Pena que eles nunca verão as mulheres-anjos que têm ao lado.
    Com todo esse amor de mãe, esposa e amiga, elas ainda são mulheres a maior parte do tempo.
    Mas elas são anjos depois do sexo-amor.
    É nessa hora que elas se sentem o próprio amor encarnado e voltam a ser anjos.
    E levitam.
    Algumas até voam.
    Mas os homens não sabem disso.
    E nem poderiam.
    Porque são tomados por um encantamento
    que os faz dormir nessa hora."

    Luís Fernando Veríssimo

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  12. Leoa, sou seu fã e vc sabe.

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  13. Como estou quase de férias, resolvi vir aqui conhecer melhor esta devoradora de histórias. E o melhor é começar do começo, né? Mesmo porque o fim, por sorte, ainda está bem longe. Mas mesmo sabendo que ainda lerei muitas histórias, quero degustar cada post com calma e carinho e ter sempre a certeza que a próxima história ainda será a história mais importante.

    Foi uma bela estréia, Fá.
    Ganhou mais um leitor... e amante.

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  14. Olá!

    Olha que interessante...

    Eu não faço a mínima idéia de quem você é, e muito menos você faz idéia de quem sou.
    Simplesmente estava eu viajando pela internet a procura de um bom Blues quando encontro Albert Collins - Something To Remenber you, que maravilha, até aí tudo ótimo, afinal de contas é um som maravilhoso, porem fico melhor ainda quando eu descobri que esse som é de uma mulher!

    Desculpe a invasão no seu blog, (aliás, ótima narração heim!) mas sei lá, deu vontade de falar com você, afinal de contas, é a primeira vez na vida que eu encontro um mulher que goste de Blues.

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