Mostrando postagens com marcador Paráfrase. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paráfrase. Mostrar todas as postagens

24 de fev. de 2010

Justificativa

Inspirada num projeto  

Como dizia minha amada e idolatrada Clarice:
"NÃO TENHO TEMPO PARA MAIS NADA. SER FELIZ ME CONSOME MUITO"...
No entanto, seria injustiça atribuir a pausa nas minhas postagens à minha nova e importante condição de grávida e esposa.
Cabe ressaltar que a vida a dois, assim como os preparativos para a chegada do bebê, tem tomado muito do meu tempo, mas, o que atrapalhou minha programação de posts foi um novo e ambicioso projeto.
Durante a pesquisa para o desenvolvimento da idéia, redescobri um autor, que está sempre presente em meus escritos e que é comumente citado: Oscar Wilde.
Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde (Dublin, 16 de outubro de 1854 — Paris, 30 de novembro de 1900) foi um escritor irlandês. Criado numa família protestante, estudou na Portora Royal School de Enniskillen e no Trinity College de Dublin, onde sobressaiu como latinista e helenista. Ganhou depois uma bolsa de estudos para o Magdalene College de Oxford.
Wilde saiu de Oxford em 1878. Um pouco antes havia ganhado o prêmio "Newdigate" com o poema "Ravenna". Passou a morar em Londres e começou a ter uma vida social bastante agitada, sendo logo caracterizado pelas atitudes extravagantes.
Foi convidado para ir aos Estados Unidos a fim de dar uma série de palestras sobre o movimento estético por ele fundado, o esteticismo, ou dandismo, que defendia, a partir de fundamentos históricos, o belo como antídoto para os horrores da sociedade industrial, sendo ele mesmo um dandi.
Em 1883, vai para Paris e entra para o mundo literário local, o que o leva a abandonar seu movimento estético. Volta para a Inglaterra e casa-se com Constance Lloyd, filha de um rico advogado de Dublin, indo morar em Chelsea, um bairro de artistas londrinos. Com Constance teve dois filhos, Cyril, em 1885 e Vyvyan, em 1886. O melhor período intelectual de Oscar Wilde é o que vai de 1887 a 1895.
Em 1892, começa uma série de bem sucedidas comédias, hoje clássicos da dramaturgia britânica: O Leque de Lady Windernere (1892), Uma mulher sem importância (1893), Um marido ideal e A importância de ser fervoroso (ambas de 1895). Nesta última, o ar cômico começa pelo título ambíguo: Earnest, "fervoroso" em inglês, tem o mesmo som de Ernest, nome próprio
Publica contos como O Príncipe Feliz e O Rouxinol e a Rosa, que escrevera para os seus filhos, e O crime de Lord Artur Saville.
A situação financeira de Wilde começou a melhorar cada vez mais, e, com ela, conquista uma fama cada vez maior. O sucesso literário foi acompanhado de uma vida cada vez mais mundana. Suas atitudes tornaram-se cada vez mais excêntricas. Abandonou a família e passou a ter casos homossexuais, regados por bebedeiras.
Oscar Wilde, em maio de 1895, após três julgamentos, foi condenado a dois anos de prisão, com trabalhos forçados, por "cometer atos imorais com diversos rapazes". Wilde escreveu uma denúncia contra um jovem chamado Bosie, publicada no livro De Profundis, acusando-o de tê-lo arruinado. Bosie era o apelido de Lorde Alfred Douglas, um dos homens de que se suspeitava que Wilde fosse amante. Foi o pai de Bosie, o Marquês de Queensberry, que levou Oscar Wilde ao tribunal. No terrível período da prisão, Wilde redigiu uma longa carta a Douglas.
A imaginação como fruto do amor é uma das armas que Wilde utiliza para conseguir sobreviver nas condições terríveis da prisão. Apesar das críticas severas a Douglas, ele ainda alimenta o amor dentro de si como estratégia de sobrevivência. A imaginação, a beleza e a arte estão presentes na obra de Wilde.
Após a condenação a vida mudou radicalmente e o talentoso escritor viu, no cárcere, serem consumidas a saúde e a reputação. No presídio, o autor de Salomé (1893) produziu, entre outros escritos, De Profundis, o clássico anarquista, A alma do homem sob o socialismo e a célebre Balada do cárcere de Reading.
Foi libertado em 19 de maio de 1897. Poucos amigos o esperavam na saída, entre eles o maior, Robert Ross.
Passou a morar em Paris e a usar o pseudônimo Sebastian Melmoth. As roupas tornaram-se mais simples, e o escritor morava em um lugar humilde, de apenas dois quartos. A produtividade literária foi pequena.
O fato histórico de seu sucesso ter sido arruinado pelo Lord Alfred Douglas (Bosie) tornou-lhe ainda mais culto e filosófico, sempre defendendo o amor que não ousa dizer o nome, definição sobre a homossexualidade, como forma de mais perfeita afeição e amor.
Oscar Wilde morreu de um violento ataque de meningite (agravado pelo álcool e pela sífilis) às 9h50min do dia 30 de novembro de 1900.
Em seu leito de morte Oscar Wilde foi aceito pela Santa Igreja Católica Romana e Robert Ross, em sua carta para More Adey (datada de 14 de Dezembro de 1900), disse "Ele estava consciente de que havia pessoas presentes, e levantou sua mão quando pedi, mostrando entendimento. Ele apertou nossas mãos. Eu então fui enviado em busca de um padre, e depois de grande dificuldade encontrei o Padre Cuthbert Dunne, que foi comigo e administrou o Batismo e a Extrema Unção - Oscar não pode tomar a Eucaristia".
Wilde foi enterrado no Cemitério de Bagneux fora de Paris, porém mais tarde foi movido para o Cemitério de Père Lachaise em Paris. Sua tumba em Père Lachaise foi feita pelo escultor Sir Jacob Epstein, a requisição de Robert Ross, que também pediu um pequeno compartimento para seus próprios restos. Seus restos foram transferidos para a tumba em 1950.
Wilde foi grande porque conseguiu escrever para todos, com as formas de expressão em palavras, embora tenha sido menos conhecido em algumas delas.
Em seu único romance, O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde trata da arte, da vaidade e das manipulações humanas. Aliás, é considerado por muitos de seus leitores, como a maior obra-prima, sendo rica em diálogos.
Já em novelas escritas por ele, como a maioria de todos seus escritos, Wilde criticava o patriotismo da sociedade. Isso fica claro na novela O Fantasma de Canterville.
Em seus contos infantis sempre tratou da criança que vive em cada um de nós, com lições de moral na mais bela e pura forma com linguagens simples.
No teatro, escreveu nove dramas, que inclusive fizeram sucesso na época.
Wilde poeta usou a poesia, simplesmente talvez, para ampliar a sensibilidade para as artes, embora não seja muito conhecido nesse campo.

21 de jan. de 2010

Ela e outras mulheres


Inspirada numa reportagem

Ao ler uma crítica à conduta do escritor Rubem Fonseca, na época da ditadura, a qual, entre outras coisas, o denunciava como colaborador do Ipes - grupo responsável por censurar a produção cultural - lembrei-me que há alguns anos, na sala de espera de um consultório, li na sessão de Livros da "Veja", uma resenha sobre um livro de contos deste mesmo autor, intutilado "Ela e outras mulheres".
A matéria o apontava como "velho safado", uma vez que os contos do livro tinham uma veia erótica latente. São vinte e sete narrativas que têm um denominador comum, que se adivinha no título: as mulheres. Embora nem todas ocupem o lugar de protagonistas, a verdade é que todas desempenham um papel fulcral para o desenrolar das histórias. Não é, aliás, por acaso, que todos os contos têm por título nomes de mulheres com exceção do conto “Ela”, referido no título da obra.
O universo literário de Rubem Fonseca – algumas histórias policiais, frequentes ambientes negros, muitas personagens violentas e ligadas ao crime e sexo em doses consideráveis – está todo neste volume. É notável a forma como, em textos tão curtos (contos com menos de dez páginas), o autor consegue dar um panorama tão vasto sobre uma certa vivência urbana da sociedade brasileira contemporânea. E se é certo que esta não é uma obra-prima, não deixa de ser também verdade que é uma excelente montra sobre a produção de Rubem Fonseca.
Ao me lembrar do livro, revivi a sensação, não sem sorrir, de fechar o livro - porque ficava enrubescida - sempre que alguém entrava no quarto ou na sala, enquanto estava lendo. A leitura era picante, instigante.
Nunca julguei a revista "Veja" indispensável, já na época a considerava tendenciosa e hipócrita, mas, aquela resenha, me abriu os olhos para uma literatura que, até então, me era desconhecida.
Agora, lia que esse mesmo autor fora censor na ditadura.
Como era possível?
Alguém que escrevia o que ele escrevia, como ele escrevia, deve ter tido uma boa razão para que, mesmo em um curto espaço de tempo, tenha trabalhado com a corja censora.
Pesquisando mais sobre o autor e sua obra, encontrei o conto "Alice", uma total falta de hipocrisia, mas de machismo absoluto, outra razão para injustificar a forma como a tal revista o acusa agora.
O duro, é que a mesma revista que me fez descobrir esse autor brilhante, lança uma caça às bruxas tendo Rubem Fonseca como alvo principal.
Controverso.
Ao meu ver, mais uma prova de que a revista "Veja" dança conforme a música. E a música da vez é o denuncionismo que visa influenciar-nos a desviar os olhos de outras questões mais importantes.
"Veja" continua dispensável.

11 de jan. de 2010

Fim do mundo


Inspirada numa canção

Ao ouvir a coletânea que gravara para o homem que amava, ela atentou-se para uma música, dentre tantas, que naquele momento sobressaiu-lhe aos ouvidos.
A canção, de um dos seus compositores favoritos, Paulinho Moska - que, entre outras canções fabulosas, é o autor de uma das suas favoritas, "Um e Outro", pouco conhecida, mas que tocava seu coração como poucas - falava sobre o fim do mundo.
O que faríamos se nós restasse um dia?
Quais seriam nossas prioridades?
Seríamos politicamente corretos?
Ou avacalharíamos com tudo?
Qual a nossa verdadeira índole?
Acreditamos realmente no pós vida?
Remoendo sobre essas questões, não conseguiu chegar a nenhuma conclusão e só lhe restou continuar ouvindo "O último dia".

Meu amor

O que você faria se só te restasse um dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?


Ia manter sua agenda
De almoço, hora, apatia?
Ou esperar os seus amigos
Na sua sala vazia?


Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?


Corria pr'um shopping center
Ou para uma academia?
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia?

Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?

Andava pelado na chuva?
Corria no meio da rua?
Entrava de roupa no mar?
Trepava sem camisinha?


Meu amor
O que você faria, hein?
O que você faria?

Abria a porta do hospício?
Trancava a da delegacia?
Dinamitava o meu carro?
Parava o tráfego e ria?


Meu amor
O que você faria se só te restasse esse dia?
Se o mundo fosse acabar
Me diz, o que você faria?


Meu amor
O que você faria?
O que você faria?
Se o mundo fosse acabar
Me diz o que você faria
Me diz o que você faria

28 de dez. de 2009

O homem que eu amo


Inspirada num comentário

Detesto ser chamada de "Fabi". E o homem que eu amo sabe disso.
Também detesto pessoas que sempre citam "Los Hermanos", como se eles fossem o ápice da intelectualidade. Não são. Não gosto de "Los Hermanos".
O homem que eu amo sabe que, do nosso amor, a gente é que sabe. Os outros são os outros e só.
Gosto do mundo realmente intelectual e amo literatura e como o homem que eu amo sabe disso, me presenteou com o maravilhoso "Clarice,".
O homem que eu amo tem só 28 dentes. Ainda bem. Não confio em ninguém com mais de 30.
O homem que eu amo tem uma deliciosa extravagância: faz amor comigo quantas vezes eu quiser.
Ele ri escandalosamente. Aliás, a gargalhada do homem que eu amo é uma das coisas mais gostosas deste mundo.
O homem que eu amo coleciona CD's. Tem mais de mil.
Que bom.
Coleciono livros. Tenho menos de mil, mas, ainda assim, nenhum de nós pode reclamar dos excessos do outro.
O homem que eu amo fala sem parar. Sobre tudo. Até dormindo. Mas, não ronca.
Ele lê pra mim. Interpreta pra mim. Toca e canta pra mim.
O homem que eu amo abre a porta do carro para eu entrar. E me entrega as chaves para eu dirigir quando bebe.
O homem que eu amo fala inglês e se diverte porque eu falo russo.
Ele fica horas procurando um Blues chorão, do jeito que eu gosto, só para me agradar. Aí, ele se deita comigo e, de mãos entrelaçadas, ficamos nos adivinhando na penumbra, curtindo o som da gaita.
O homem que eu amo me deixou escolher o lado da cama, mas sempre rouba comida do meu prato.
O homem que eu amo me contou seus deslizes amorosos do passado.
Sei, inclusive, tudo sobre a casada e cretina, que o usou.
Aliás, cretina, além de ser um adjetivo feminino sinônimo de imbecil, quando derivada de cretinismo - que é uma doença crônica, causada pela insuficiência da glândula tireóide, o que pode explicar a obesidade - é a palavra que designa a pessoa enferma.
O homem que eu amo está com sobrepeso. Sua barriguinha, cultivada pelos anos de cervejadas em botecos, é um charme à parte.
O homem que eu amo sabe que eu sou brava e que não levo desaforo para casa e às vezes, só às vezes, fica incomodado com meus desatinos e, em particular, chama minha atenção como o pai faz com a criança arteira.
O homem que eu amo usa óculos. Eu também uso óculos. E nossas lentes ficam embaçadas quando nos beijamos.
O homem que eu amo não é só carne. Ele tem a alma mais linda do mundo.
Ele comemora seu aniversário no asilo, presenteando os velhinhos, passando horas super agradáveis com os que tem muito para nos ensinar.
O homem que eu amo é calmo, gentil e sofisticado. Sou nervosa, estúpida e relaxada. Ainda bem que os opostos se atraem.
O homem que eu amo também é um homem de fé, mesmo não se prendendo à religião nenhuma.
O homem que eu amo operou um milagre em mim e, contrariando todas as previsões, me fez mãe de novo.
Ele é o responsável pela aura de felicidade que me circunda novamente.
O homem que eu amo tem uma paciência de Jó, porque continua me amando mesmo eu sendo tão difícil.
O homem que eu amo é mais que meu marido, amado e amante. O homem que eu amo é meu amigo. Meu melhor amigo. Mas já lhe perguntaram se eu era sua filha e ele ficou grilado e eu dei risada.
O homem que eu amo tem algumas manias. Está sempre lavando as mãos, dirige lenta e cuidadosamente e dá uma risadinha curta quando algo o incomoda.
Ele joga tênis, é amigo do Léo e ia casar com a Lia. Mas ela ainda tem só três anos, então, até ela ter idade para casar, ele já pode estar viúvo, porque, enquanto a minha saúde é frágil, o homem que eu amo goza de ótima saúde.
O homem que eu amo sabe tudo o que é essencial sobre mim e isso é engraçado.
Nos conhecemos há tão pouco tempo nesta vida que a única explicação para nossa sintonia é o conhecimento adquirido ao longo de várias outras vidas.
O homem que eu amo é o homem que eu amo há milênios. Disso não tenho dúvidas.
Amo o homem que eu amo porque o admiro e porque ele tem todas as coisas, que um dia eu sonhei pra mim.
A cabeça cheia de problemas. Não me importo, eu gosto mesmo assim.
O homem que eu amo tem os olhos cheios de esperança, de um formato que mais ninguém possui.
Me traz meu passado e as lembranças, coisas que eu quis ser e não fui.
E eu que sempre fui tão inconstante, juro, para o homem que eu amo, que agora é pra valer.
Ele vai seguir comigo o meu caminho e viveremos a vida só de amor.
O homem que eu amo sabe que estou parafraseando Roberto Carlos, porque essa é a canção que ele canta para mim.

23 de out. de 2009

Todos cantam para eles


Inspirada em várias canções

O dia já começara estranho.
Estava com dor de cabeça.
Tinha perdido a hora.
Foi para o trabalho sem querer ir.
Ao abrir o email, ele havia mandado uma música.
http://www.youtube.com/watch?v=Wq0FkmcT1Jc&feature=related

Ela ouviu e chorou.
Chorou porque teve medo do que estava sentindo.
E porque estava com ressaca.
E porque só o vira 4 vezes na vida.
E porque parecia que o conhecia desde sempre.
E porque ele havia visto seu lado ruim já.
E porque teve certeza que ele desistiria dela.
E porque não o beijou como queria.
E porque não o abraçou como queria.
E porque não falou tudo que queria ter dito.
E porque estava menstruada.
E porque seu dia anterior fora péssimo.
E porque o dia atual estava muito tumultuado.
E porque ainda precisavam conversar sobre algumas coisas.
E porque a voz de Bethania ressoava em sua cabeça: Eu não existo sem você.
E porque estaria super ocupada até às 16h.
E porque ele não estava lá naquele exato momento.
E porque não queria sentir tanto a falta dele.
E porque o telefone não parava de tocar e ninguém respondia.
E porque teria um compromisso acadêmico à noite.
E porque queria que ele soubesse.
E porque não fazia a menor idéia do que queria que ele soubesse.
E porque o coração estava acelerado.
E porque Marisa Monte cantava A sua no rádio.
E porque todos cantavam para eles agora.
E porque estava com sono.
E porque ficaria pensando nele o dia inteiro.
E porque todos os caminhos a encaminhavam para ele.
E porque teria que parar de escrever e voltar a trabalhar.
Suspirou fundo.
Lembrou-se de Céu.
Havia mandado uma mensagem a jato, às entidades do tempo.
E já fora verificado que nem mesmo haveria segundos.
E que os minutos seriam reavaliados e a cada suspiro seriam 10 contados.
Suspirou novamente. Mais fundo.
Esperava que o dia passasse logo para vê-lo e, finalmente, poder parar de chorar.

20 de out. de 2009

Viagem


Inspirada numa vontade

Depois de muitos desencantos, o encontro deles havia sido encantador.
Rapidamente criaram laços.
Riam por qualquer coisa.
Conversavam por horas a fio.
Ele cantarolava.
Ela dançava mambo.
Pareciam duas crianças.
Eram duas crianças felizes.
Sem mais delongas, ela o convidou:
- Vamos fugir para Pasárgada!
- Pra onde?
- Para Pasárgada.
- Com você eu vou.
- Vamos já?
- Farei as malas. Quanto tempo em Pasárgada ficaremos?
- Que tal pelo tempo que durar? 
- Assim já cantava Marisa Monte.
- Paráfrase do Soneto da Fidelidade.
- Realmente, o poetinha já dizia isso.
- Tudo pronto para nossa partida?
- Quase tudo. Só uma pergunta: por que para Pasárgada?

Recitando Manoel Bandeira ela explicou:

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
e tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Já faz tempo que foram para lá e, pelo que dizem, de lá não pretendem voltar.

19 de out. de 2009

O Jardineiro Fiel


Inspirada num trabalho


Nota: A presente postagem é fruto de um trabalho apresentado no curso de Letras para a disciplina Mídia e Educação, ministrada pelo Mestre dos Magos, Prof. Rofatto.
O trabalho quase na íntegra pode ser conferido no blog da turma:
http://dinossaurosdasletras.blogspot.com/2009/10/o-jardineiro-fiel-verdade-conveniente.html

O Jardineiro Fiel, baseado no livro do inglês John Le Carrè e filmado pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles (que a cada nova produção comprova seu inegável talento e maestria em trabalhos que demonstram qualidades próprias de um habilidoso, inteligente, criativo e sedutor artesão), levanta questões relativas aos duvidosos interesses e práticas de “fictícias” empresas de grande porte do setor farmacêutico.


Quando o diplomata Justin Quayle (Ralph Fiennes) termina sua palestra e se prepara para responder as perguntas dirigidas a ele pelo público ali presente, ele nem imagina que a história de sua vida está começando a ser reescrita.
Entre as pessoas que estão no recinto encontra-se Tessa (Rachel Weisz, em premiada e exuberante atuação), que virá a ser a mulher de sua vida e também a pessoa que modifica completamente a sua visão de mundo.
Enquanto ele é um ascendente jovem no complexo e disputado mundo da diplomacia internacional representando a Inglaterra no continente africano, sua jovem e sedutora esposa é uma ativista política envolvida em causas humanitárias no lugar mais explorado e desumano do mundo.
Essa explosiva combinação entre o talento, a argúcia e o engajamento de Tessa e as desigualdades e injustiças vividas pelos africanos, é o motor de uma intrincada trama de interesses econômicos escusos, de grandes indústrias farmacêuticas do primeiro mundo, e a morte/desaparecimento de pobres e desfavorecidos “cidadãos” africanos.
A partir de suas investigações a jovem Tessa chega a descobertas surpreendentes que envolvem não apenas bilhões de dólares em investimentos em pesquisa e aperfeiçoamento de remédios pelas indústrias que atuam nesses países africanos, mas também os governos de importantes nações do mundo ocidental “civilizado”, inclusive a própria Inglaterra...
Essas descobertas condenam a militante política à morte e, também, a indignidade perante seu próprio e amado esposo. Quayle, que além de suas reconhecidas habilidades no campo das relações entre países, é um devotado jardineiro a combater as ervas daninhas de seu impecável quintal tem que, a partir de investigações individuais, retomar a trilha de sua mulher.
Então ele entra no jogo dos bilhões em busca do resgate do nome de sua esposa e da verdade que envolve a morte de inocentes paupérrimos no já devastado e desolado cenário africano. Sua cabeça passa então a valer muito para os caçadores de recompensas e suas imunidades diplomáticas são então esquecidas e invalidadas...
Se não bastasse esse caráter crítico e questionador, O Jardineiro Fiel ainda nos coloca em contato com a devastadora realidade de um continente perdido, a África. Abandonada pelos países ricos, sobrevivendo à custa de doações que constituem migalhas, partilhada entre tiranos locais que nada mais são do que títeres do capital internacional, a África se decompõe e se torna cada dia mais terra de ninguém em grandes porções de seu território.
As reservas naturais africanas continuam (como durante todo o século XX) sendo pilhadas pelos modernos “Pizarros” e “Hernán Cortez” em seus bem cortados ternos e com modernos celulares e notebooks. O pior, no entanto, é perceber que ocorre o esgotamento progressivo das reservas humanas. Como autênticos “vampiros de almas”, os “investidores” internacionais “sugam” o sangue, as energias e utilizam os pobres e esquálidos corpos africanos numa nova versão da escravidão dos tempos coloniais...
Até que ponto “os fins justificam os meios”? Lucrar não é proibido. O que não pode ser admitido é que os lucros sejam obtidos a partir de qualquer tipo de exploração humana. Escravidão, baixos salários, condições insalubres, horas excessivas de trabalho e tantas outras indignidades e crimes contra o trabalhador e, principalmente ofensivas a própria condição humana devem ser extirpadas do mundo em que vivemos.
O Jardineiro Fiel é vacina que contém poderosos anticorpos que ajudam no combate à corrupção de valores e práticas.
Imunize-se!
Assista já!

14 de out. de 2009

Cotidiano


Inspirada numa cobrança

Fez um grande esforço para levantar da cama.
Olhou o relógio, 5h50.
Detestava acordar cedo.
Não conseguia entender o expediente começar às 7h.
Arrastou-se até o banho.
A água quente lhe devolveu um pouco o ânimo.
Lembrou-se que precisava escrever.
O que eu posso escrever?
Como recomeçar a anotar frases?
A palavra é o meu meio de comunicação e eu só poderia amá-la.
Jogo com ela como se lançam dados: acaso e fatalidade.
Clarice inundou seu pensamento.
Pensou no final trágico de algumas de suas histórias.
Lembrou-se das aulas de literatura.
Certamente era influencia de Poe.
Vários temas surgiram na mente.
A hora do banho sempre era produtiva.
Em voz alta elaborou várias histórias.
Mais uma vez irritou-se por ainda não ter providenciado um gravador.
Olhou para as mãos. Os dedos já estavam enrugados.
"Merda! Vou perder hora", pensou.
Apressou-se em desligar o chuveiro.
O banheiro estava tomado pelo vapor.
Alcançou a toalha. Secou o rosto.
Saiu do banho.
Escorregou.
O impacto da sua cabeça quebrou o vidro do box.
O sangue vivo misturou-se aos resquícios de espuma de sabão.
Sua vida acabava como suas histórias trágicas.

30 de jul. de 2009

Travessia

Inspirada numa preferência


Abriu a quarta garrafa de vinho com dificuldade.

Tomou um longo gole no gargalo.

Havia desistido da taça no meio da primeira garrafa.

Bebia sozinha. Formalidades eram dispensáveis.

Era um ritual passar o dia 30 de julho sozinha.

Sofrendo.

Chorando.

Neste ano, decidira embebedar-se.

Olhou para as fotos espalhadas na cama.

Deitou sobre elas.

Suas roupas ainda estavam úmidas do banho de chuva e as fotos grudavam nelas.

Teve medo de danificar as imagens.

Eram as únicas coisas dele que restavam.

Despiu-se.

Deu play no CD.

Milton inundou o ambiente.

"Quando você foi embora fez-se noite em meu viver.

Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar".

Milton era perfeito.

Lembrou-se, divertida, da interpretação de Bjork, de Travessia.


Preferia Milton. Sem dúvida.


Cantou junto com a música.

Aumentou o som.

"Solto a voz nas estradas, já não quero parar

Meu caminho é de pedras, como posso sonhar

Sonho feito de brisa, vento vem terminar

Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar"

Esmurrou o próprio peito e atracou-se com a garrafa.

Ingeriu mais meio litro.

Amontoou as fotos e beijou-as.

Pediu perdão para o menino que lhe sorria e continou a cantar.

"Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você

Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver

Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer

Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver"

Rodopiou nua pelo quarto, sempre com a garrafa na mão.

Antes que a música chegasse ao fim, apertou a tecla repeat.

Milton reiniciava sua cantoria.

Ela reiniciava seu lamento.

A garrafa chegava ao fim.

Antes do final da música, ela já estava desmaiada em sua cama, segurando uma das fotos.

Acordaria, no dia seguinte, com o cabelo sujo de vômito.

A ressaca seria sua companhia.

E sua travessia recomeçaria.

2 de mai. de 2009

Fanatismo

Inspirada numa canção

Recebi duras críticas e reprimendas de que minhas últimas postagens tinham um teor muito religioso, com críticas veladas ao catolicismo. Não faço críticas veladas, critico abertamente mesmo, mas, não fico presa à críticas vazias, apresento dados e exponho fatos com a intenção de dar ferramentas para que os demais possam pensar por si mesmos e chegar à suas próprias conclusões.

Minha crítica é contra a intolerância e o fanatismo, mas, deu com os burros n'água quem pensou, baseado no título, que mais uma vez, ficarei falando de religião...

O assunto da vez é muito mais interessante: Florbela Espanca.

A primeira vez que ouvi esse nome fui tomada por um estranhamento... achei que se tratava de algum pseudônimo ou algo do gênero. Ledo engano.

Florbela d'Alma da Conceição Espanca. Poesia no nome e na vida. Lirismo triste despetalado em afetos e amores despedaçados em casamentos. Desejos floridos a peles, invernando ardentes carinhos irmanados a melancolias de profundas raízes. Corolário de anseios e dúvidas. Crisântemo de cruciante sentimento, aberto em solário de roxidões imensas – uma beleza de alegrias amarelecidas com palores outonais de páginas esquecidas em longes livros desvividos de romances. Música de palavras embaladas no lamento de voz perdida em alamedas áridas de consolo. Solidões noturnas e lutuosas em pálpebras descidas às pétalas de sonhos sepultadas ao céu aberto da desesperança. Julieta alentejana sem Romeu, longe de Verona. Flor da vida e flor da morte. Florbela D’Alma, renascida de si mesma nas dores sementeiras de elegíacos jardins veronais. Conceição de crisântemos que desabrocham tristezas sobre tristezas em refluxos de violeta cor. Espanca, ó Flor, o sentimento que fustiga de dor o pólen dourado de seu verbo para verter o ouro da chaga de seu verso.


Fagner canta Florbela:

Fanatismo
por Florbela Espanca

Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

“Tudo no mundo é frágil, tudo passa...”
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
“Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...”

4 de jan. de 2009

Bicho

Inspirada num bicho pintado na Bandeira do Manuel


Ela e o amigo saíram do cinema. Excelente filme. Valeu cada centavo pago. Papeavam descontraidamente.

A temperatura havia caído bastante. Era quase meia noite.

Por causa do horário, tiveram que circundar toda a extensão do shopping para chegar onde estava o carro.

Na imundície da rua notaram que tinha chovido.

O amigo o viu primeiro e o apontou.

Ela ergueu os olhos.

Lá estava ele, o Bicho, catando comida entre os detritos.

Silêncio.

Primeiro a vontade de sair correndo. Depois, ela quis chegar mais perto. O amigo a deteve. Era perigoso e nojento. O amigo estava com ânsia.

O Bicho, quando encontrava alguma coisa no lixo, não examinava nem cheirava. Engolia com voracidade.

Ela ficou estancada, olhando.

O Bicho não era um cão, não era um gato, nem mesmo um rato.

Ela chorou.

O Bicho, sozinho e humilhado, meu Deus, era um homem.

Tomando-a pela mão o amigo a levou ao carro e foram embora.

3 de jan. de 2009

Adágio ao luar

Inspirada numa grande amizade

Um dos empregados da casa de campo de Beethoven tinha uma filha cega.
Desde pequenina ela ficava escondida atrás da porta ouvindo Beethoven tocar e ele, rabugento como era, ralhava com ela e a proibiu de entrar em seu estúdio.
Anos se passaram, a menina virou uma moça e acabou contraindo tifo. Como seu pai era um bom empregado, Beethoven dignou-se a ir visitar a menina. Ao entrar no quarto se surpreendeu com a jovialidade e simpatia da jovem agonizante. Conversou com ela por um longo tempo, o que era muito raro, pois ele era por diversas vezes taciturno, e ficou encantado com o conhecimento das coisas que a moça tinha, mesmo sem nunca as ter visto.
Ao final da visita, ela confidenciou que se pudesse ver, por um único momento, gostaria de ver o luar e naquela mesma noite a menina-moça veio a falecer.
Beethoven então, decidiu materializar o luar em notas musicais e compôs Adágio ao luar!

http://www.youtube.com/watch?v=UIlkKOzIQhA

A primeira mulher

Inspirada num ser azul e numa feminista

Deus, a grande mãe, criou um ser magnífico e, em sua sublime sabedoria e benevolência, decidiu dividir esse ser em dois, para que, assim como tudo no universo que foi feito em pares, este ser pudesse ter sua metade perfeita, que o completaria.

A uma dessas metades, deu o nome de Lilith e a outra metade o nome de Adão. Soprou-lhes vida e inteligência e designou a eles um local chamado Éden.
Lilith foi o primeiro dos seres a despertar conscientemente para a vida e, enquanto Adão ainda dormia, o conhecimento sobre as coisas Divinas foi-lhe passado e a cada nova descoberta ela regozijava e questionava na busca por mais conhecimento.
Quando Adão finalmente acordou, ele e Lilith contemplaram-se atentamente e reconheceram-se como iguais, mas, Adão sentiu e fez notar, que possuía uma virilidade aparente que Lilith não tinha. Ela então lhe explicou tudo o que havia aprendido sobre as diferenças complementares entre os dois e repassou os demais conhecimentos recebidos do Criador.
Adão, com o passar dos dias, notou que sua força física era maior que a de Lilith e por isso, adotou uma conduta autoritária, sentindo que seu corpo masculino era superior à delicadeza do corpo feminino, passando a tratá-la como serva e Lilith permaneceu resignada para evitar conflitos.
No entanto, algo começou a incomodá-la profundamente.

Toda vez que eles faziam amor, Adão tentava subjugar Lilith, posicionando-se sobre ela e quando ela o questionou por que ela não poderia ficar por cima, ele simplesmente argumentou que era seu o direito, pois ele era o mais forte o que deveria provê-la.
Lilith ainda tentou contra-argumentar que eles eram iguais, feitos do mesmo barro e que não apenas ela deveria suportar o peso dele. Como Adão desdenhou de sua opinião, Lilith não mais suportou aquela conduta, invocou o Criador e pediu que ele advogasse por eles.
O Criador informou que os amava igualmente e incondicionalmente e que, portanto, não julgaria a questão, pois, junto com a vida e a inteligência, havia dado-lhes o livre-arbítrio, para que fossem capazes de tomar suas próprias decisões e ter o direito às suas próprias escolhas.
Assim que o Criador os deixou, Adão afirmou que não aceitaria que Lilith ficasse sobre ele. Que aquilo não seria natural. Decepcionada, Lilith avisou que o estava deixando, que deixaria o paraíso. Adão riu-se e foi colher frutas.
Enfurecida, Lilith saiu andando a esmo, até as fronteiras do Éden e novamente invocou Deus. Expôs sua revolta com Adão e disse que queria outro lugar para viver, que ali não poderia mais ser feliz. Deus pensou por um segundo a disse-lhe que o único lugar onde ela talvez pudesse encontrar a felicidade que estava procurando, seria no planeta Terra.
Ele a deixaria ir então para um local denominado Nod, que supriria suas necessidades físicas por um tempo, mas que a Terra ainda estava em processo de aprimoramento e transformação e que ela, Lilith, teria que suportar todos esses ciclos até que o planeta estivesse pronto para receber seus novos habitantes e que ela deveria colaborar na evolução desses novos habitantes, compartilhando seus conhecimentos quando eles já estivessem prontos para compreendê-los.

Mesmo sabendo que sua missão não seria fácil, Lilith a aceitou. Adão chorou por dias o amor perdido e Deus apiedou-se dele e de uma de suas costelas, fez para ele uma nova companheira. Lilith então foi levada a Nod e lá se estabeleceu.

Escuta

Inspirada num silêncio de Clarice Lispector

http://www.4shared.com/file/76438312/d439404b/Silncio.html


É estranho como não se fala sobre nosso silêncio interior. Temos um misto de vergonha e medo, porque ele é inexplicável e acreditamos que o outro não nos vai entender, pois, mesmo que também o tenha, não admitirá.
Mas, chega o momento em que se aceita o silêncio como o destino final da jornada vivida e, amparado pela coragem, se entra nele e vive o silêncio como se tudo vivido antes fosse um ensaio para o que se viveria agora.
O silêncio total, o vasto silêncio de quando nos deixamos reconhecer, só chega quando nada mais pode atrapalhá-lo e ele, introspectivo, não sente temor de se mostrar e se assumir como realmente é. Ocorre o medo de ter o desabrochar, despertado pelo silêncio, interrompido por algum som desavisado que se propaga no mundo exterior, mas não repercute em nosso interior.
E então o silêncio chega, aquele silêncio que, nas horas de maior ardor, imaginamos como o amante proibido e que se revela como nosso algoz, pois não chega para a troca de confidências e sim para nos fazer calar, enquanto aperta sem piedade nossas feridas.
Mas, o dia raiará novamente e o silêncio irá dormir, e sua passagem pela noite será apenas uma lembrança a espiá-lo pela fresta de uma memória sentida, do tempo passado em comunicação aterrorizadora consigo mesmo. E, nesse momento, o silêncio será mais um fantasma dentre tantos na vida.

Parafraseando

Inspirada num poeta inspirado pela lua

Nua, a Lua desfila pelo céu vagarosamente, para aqueles que são corajosos”, escreveu o poeta em um momento de inspiração.

Ela, no calor do momento da primeira leitura, achou a frase de beleza ímpar, mas não soube, realmente, deixar adentrar em seu âmago o sentido profundo das palavras.
O soco no estômago do entendimento só a atingiu exatamente no dia em que não teve coragem de acompanhar o desfile completo da lua mais desnuda que já viu.
Desde que a avistou naquela noite, as palavras do poeta lhe repercutiam na cabeça, mas julgou que fossem influenciadas pela lua magnífica que subia, jamais lhe ocorreu que fossem uma profecia sobre a noite em que deixou uma parte sua afogar-se num mar de medo e escuridão.
Por sua estúpida covardia, a lua zangou-se e sentenciou-a a dias sem noites, passados em branco, até que ela tivesse a humildade de pedir-lhe perdão.
Prostrou-se ao chão. Suplicou que lhe concedesse nova chance, mas a lua, como a amante ferida, negou-lhe a redenção.
Só lhe resta esperar que a mágoa passe e a lua ressurja, em todo seu esplendor, mas roga para que, nessa noite, tenha coragem de apreciá-la e aplaudi-la e vivenciá-la sem temores e pudores.
Chega a conjecturar que, se a lua realmente já a tivesse perdoado, teria tido coragem de amá-la intensamente?

Confissão

Inspirada num confronto diante do espelho

Esse dia foi estranho. Passou por ele como se passa por um jardim florido com o nariz entupido, sem aspirá-lo.
Essa constatação doeu-lhe. Já não tinha tempo para desperdiçar seus dias, mas desperdiçou este e, com a chegada da noite, vislumbrou a lua e, subitamente, teve uma revelação. Sempre se julgou amiga do sol, pessoa do dia, mas a fatídica verdade é que a lua, mais do que a própria noite, a inspirava como o sol jamais inspiraria.
Veia romântica? Talvez...
Essa foi mais uma descoberta que a afligiu.
O romantismo é um verme que corrói o cérebro. E a lua é um verme que corrói o estômago. Ah sim, suas emoções e inspirações são fruto do estômago e não do coração.
Uma ausência? Dor no estômago.
Uma chegada? Frio no estômago.
A lua? Embrulho no estômago.
Aliás, a temática lua a lembrou de um caso que não aconteceu, mas poderia ter acontecido duas noites atrás...
A lua estava linda. Mágica. Uma lua que dava coisas...
Há tempos não via o céu tão deslumbrante. Era um outro céu, mas ela se sentia em casa sob ele.
E essa lua, essa noite, poderia ter sido compartilhada com a única criatura que já leu seu lado de dentro e ela, fraca, não foi capaz de compartilhá-la.
Uma vez, essa criatura do outro lado do espelho a repreendeu, após um dos seus vários discursos de verdades hipotéticas, com a frase:
- Na verdade, você não é assim, não pensa assim. Só finge. Usa uma couraça para se proteger e não deixar ninguém chegar perto.
E a criatura sorriu ao vê-la empalidecer, pois ela sabia que essa era a sua verdade, mas não esperava que outrem também soubesse.
Desde esse dia, amou a criatura em silêncio. Um amor profundo, sincero, que nunca esperou ser amado de volta, mas, na iminência de sê-lo, desesperou-se e vestiu outra couraça em cima da couraça e fez de si mesma uma criatura tão blindada, que nem o poder da lua foi capaz de transpassá-lo.
Seus olhos, única parte sem revestimento, procuravam a lua insistentemente, mas a porta foi fechada, impedindo a vista da lua e os olhos, cansados, também se fecharam.
Teve frio. Teve medo. Trancada, sozinha dentro de si, sem ser capaz de compartilhar o que lhe consumia e agora, quando a lua desponta novamente no céu é que tem a consciência que seu dia de hoje, como seu dia de ontem, não foram vividos, não foram aspirados, por praga da lua, que a queria como amante, mas lhe faltou coragem para amá-la. Nem que fosse só mais uma vez.

Do dia em que ela ficou muda


Inspirada numa laringite estridulosa aguda

Falar e falar. Amar o som da própria voz, impressionar-se com suas frases de impacto e deliciar-se com a forma com que seus pensamentos oralizados repercutem no interlocutor, sempre a fizeram se sentir bem, viva...
Se alguma situação não se desenvolvia a seu favor, ela abria a boca e deixava as palavras jorrarem. Por vezes, pensava que aquelas palavras não eram suas...
Acreditava que eram fruto da memória de algo lido ou ouvido, mas, elas jorravam em tão grande quantidade que seria humanamente impossível que as tivesse lido ou ouvido todas e, então, se convenceu...
As palavras eram suas. Suas crias, influenciadas pelas palavras proferidas por outrem em determinado momento, mas ali, por ela declaradas, naquela ordem, eram suas, só suas...
Ela é que as doava e então, já não mais lhe pertenciam. Eram de outrem.
Pois bem, seu dom oratório a fez descobrir seu lugar no mundo. A fez reconhecer o princípio vital inteligente por trás da pele, gordura, carnes, órgãos... ela era, definitivamente, boa com as palavras e as palavras eram boas para ela...
Mas então, aconteceu.
Sua laringe tornou-se um corpo estranho dentro dela.
Sem aviso ou preparação, sua voz teve que se calar. A expressão sonora era tão dolorida que nem todo seu ego conseguiu superar a dor de proferir as amadas palavras. Teve que se calar.
Muda, passou a ouvir os sons do mundo, as palavras alheias, o chato, enfadonho e ininterrupto canto dos pássaros, e revoltou-se.

Por que os pássaros não se calavam? Por que ela tinha que se calar?
A língua passarinha é incompreensível e ela tinha tanto a dizer...
Depois da revolta, a consciência e reflexão.
Resultantes dessa experiência, novas palavras e idéias foram criadas dentro dela e começou a sentir-se sufocada. A dor de guardar tantas palavras tornava-se tão insuportável quanto a dor de proferi-las.


Nesse momento, começou a escrever.

A devoradora de histórias

História inspirada numa menina que roubava livros


Sempre imagino minha vida como sendo uma história contada e não vivida.
Ontem terminei a leitura de “A menina que roubava livros”, mas, para que entenda a relevância dessa constatação, preciso voltar um pouco.
Fazia tempo que eu ouvia falar sobre esse livro. Ouvia falar bem, nada sobre a história, mas ouvia falar bem do livro. Porém, nunca tive o impulso ou a oportunidade real de adquiri-lo. Havia outros títulos em pauta que também me seduziam e sempre optava por um desses outros. Até que veio a pergunta:
- Mãe, que livro você queria ler, mas ainda não tem?
Inúmeros nomes fervilhavam em minha mente. Livros que eu precisava. Mas, tive um branco e só me veio à boca “A menina que roubava livros”.
Faltava uma semana para o Natal.
No dia 25/12, a roubadora de livros chegou.



Minha primeira reação foi de alegria, mas não genuína. Um bichinho interno me dizia “por que não escolheu outro, algum dos clássicos?”. Mas, uma voz externa me consolou:
- É um dos melhores livros que já li. Demorei seis meses para lê-lo, porque a leitura é difícil, te faz refletir e, durante o dia, você olha pra alguma coisa e, na hora, faz a relação: é disso que ele (o livro) estava falando...
Essa observação despertou a devoradora de histórias dentro de mim. Ela estava dormindo há quase um ano e mal podia esperar para estar a sós com o livro e devorá-lo. Minha expectativa era altíssima, mas nem sempre isso é bom, porque a realidade nunca condiz com minhas tolas expectativas.
Iniciei a leitura na noite do dia 26 pela narrativa em si, deixando a leitura da capa, contra-capa e orelha para o dia seguinte e foi aí que analisei o livro como um todo e fiquei genuinamente feliz. Minhas considerações e reflexões resultantes do primeiro dia de leitura estavam no caminho certo, pois, no verso do livro tinha uma chamada que eu não notei antes:
“Quando a morte conta uma história, você deve parar para ler”.
A morte tem sido uma sombra em minha vida, mas esse não é o tema dessa história, o assunto é a fome com que devorei esse livro.
Eu o carregava para todos os lugares, mesmo para aqueles em que não poderia abri-lo, mas lá ficava ele, em minha bolsa, ao alcance de minha mão e, só de tocá-lo, meu estômago parava de roncar.
Leitura difícil - como previra a consoladora. Palavras em alemão que eu não conhecia, mas as lia em voz alta dentro da minha cabeça e suas pronuncias, mesmo que equivocadas, para sempre estarão certas para mim.
O poder das palavras. É disso que trata o livro e foi isso que mais me encantou, porque não há lugar melhor para se encontrar palavras que nos livros. Os livros. Um livro salvou a vida de uma menina que roubava livros. Um livro salvou a minha vida. Não esse livro, mas um livro degustado muitos, muitos anos antes e que me transformou numa devoradora de livros.
Voltando à roubadora, no oitavo dia aconteceu algo inédito: não toquei no livro o dia todo.
Minto. Desculpe-me. Toquei-o pela manhã ao tirá-lo de debaixo do travesseiro para arrumar a cama e colocá-lo sobre a cômoda. Mas não o abri.
Nesse dia evitei a menina que roubava livros com todas as minhas forças e a razão era simples: estava muito próxima do final e sabia que estava muito perto de encontrar meu maior medo escondido na página seguinte: a moral da história.
Relutei. Tentei assistir outras histórias, ouvir outras histórias, ler outras histórias. Fiquei exausta. Deitei em minha cama. Apaguei a luz. No escuro silêncio da noite ouvi a voz da sombra:
“Venha comigo que lhe conto uma história. Vou lhe mostrar uma coisa”.
Então, ela me contou. Por duas horas e sessenta e três páginas, ela me contou o restante daquela história, mas, quando foi me mostrar aquela coisa, já não pude mais enxergá-la. As lágrimas haviam embaçado minha vista.
Se eu tivesse visto a moral da história dizendo que não devemos deixar passar a oportunidade de acarinharmos e dizermos que amamos às pessoas que amamos, provavelmente, agora eu estaria me sentindo impelida a me deixar escorregar nessas sentimentalidades.
Sorte a minha. Não vi nada disso, portanto, não me sinto culpada em guardar tudo para quando a sombra vier buscar um ou outro.
Terá que ser assim porque sempre imagino minha vida como sendo uma história contada e não vivida.