Abriu a quarta garrafa de vinho com dificuldade.
Tomou um longo gole no gargalo.
Havia desistido da taça no meio da primeira garrafa.
Bebia sozinha. Formalidades eram dispensáveis.
Era um ritual passar o dia 30 de julho sozinha.
Sofrendo.
Chorando.
Neste ano, decidira embebedar-se.
Olhou para as fotos espalhadas na cama.
Deitou sobre elas.
Suas roupas ainda estavam úmidas do banho de chuva e as fotos grudavam nelas.
Teve medo de danificar as imagens.
Eram as únicas coisas dele que restavam.
Despiu-se.
Deu play no CD.
Milton inundou o ambiente.
"Quando você foi embora fez-se noite em meu viver.
Forte eu sou mas não tem jeito, hoje eu tenho que chorar".
Milton era perfeito.
Lembrou-se, divertida, da interpretação de Bjork, de Travessia.
Preferia Milton. Sem dúvida.
Cantou junto com a música.
Aumentou o som.
"Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedras, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar"
Esmurrou o próprio peito e atracou-se com a garrafa.
Ingeriu mais meio litro.
Amontoou as fotos e beijou-as.
Pediu perdão para o menino que lhe sorria e continou a cantar.
"Vou seguindo pela vida, me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver"
Rodopiou nua pelo quarto, sempre com a garrafa na mão.
Antes que a música chegasse ao fim, apertou a tecla repeat.
Milton reiniciava sua cantoria.
Ela reiniciava seu lamento.
A garrafa chegava ao fim.
Antes do final da música, ela já estava desmaiada em sua cama, segurando uma das fotos.
Acordaria, no dia seguinte, com o cabelo sujo de vômito.
A ressaca seria sua companhia.
E sua travessia recomeçaria.
Olá... Seu texto foi publicado no Espaço Clarice.
ResponderExcluirLink: http://claricelispector.blogspot.com/2009/08/releitura-do-texto-silencio-de-clarice.html
Obrigada pelo texto.
Vou querer amar de novo...
ResponderExcluir